sexta-feira, 7 de outubro de 2022

A Redação

 
 
Dona Catita, conhecida e dedicada professora da única escola de ensino básico da cidadezinha de Tapioca, era uma mulher exemplar.  
Mãe de quatro filhos, acordava de madrugada para preparar o café, arrumar todos, preparar a marmita de Gilozinho, seu marido, varrer a casa, lavar os pratos e as roupas, tomar banho e ir trabalhar, levando as quatro crianças para a mesma escola onde ensinava.  
Após o primeiro turno de trabalho, levava as crianças na casa de dona Gioconda, a avó, que cuidava deles até Catita voltar de seu segundo turno na escola. 
A professora almoçava e voltava a labuta.  
Quando terminava o segundo turno, pegava as crianças na casa da avó e, enquanto cozinhava para o dia seguinte, ensinava o dever de casa, dava banho e os botava para dormir. Quando o marido chegava, colocava o jantar e lavava os pratos.  
Após estas tarefas domésticas, preparava as aulas do dia seguinte.  
Na escola dava conta de uma turma de trinta alunos pela manhã e trinta e cinco pela tarde.  
- Pró, o Juquinha me bateu! 
- Pró, Pedrinho falou que minha mãe namora com o pai dele! 
- Pró, era para copiar o que a senhora escreveu no quadro? 
- Pró, o trabalho que a senhora passou é pra fazer mesmo? 
- Pró, Maria caiu, ralou o joelho e tá dizendo que foi eu que derrubei.  
- Pró, já posso merendar? 
Um dia, Catita passou a seguinte redação para os alunos: qual profissão você vai querer ter quando crescer? 
Ao ler a redação de Mirinho, Catita não se aguentou e foi as lágrimas.  
O garoto assim escreveu: 
“ Minha professora pediu para eu escolher de que vou trabalhar quando crescer. Fiquei aqui pensando e pensei em muitas coisas.  
Primeiro eu quis ser Super-herói mas, desisti. Tem que ficar o tempo todo brigando e salvando as pessoas. Nem dá para descansar.  
Aí pensei em ser policial mas, desisti.  
Ficar correndo atrás de ladrão cansa muito.  
Pensei em ser bombeiro.  
Mas, uma vez queimei o dedo quando fritei um ovo e doeu muito. Imagina então como dói se queimar apagando incêndio? 
Pensei em ser político mas, desisti. 
 Só vejo o povo xingando a mãe do prefeito e não quero ninguém xingando minha mãezinha. Gosto muito dela.  
Achei advogado uma boa ideia, mas desisti.  
Meu pai disse que advogado mente muito e, minha mãe falou que quem mente vai pro inferno. Lá é ruim.  
Pensei em ser jogador de futebol mas, desisti.  
Vejo Neymar na TV e sinto pena dele. Só vive apanhando. Tem vezes até que o vento bate nele, porque ele vai, sai rolando no chão com cara de dor e a gente vê que ninguém bateu nele. Apanhar já basta de minha mãe e do Julinho na hora do recreio.  
Pensei em dirigir ônibus mas, desisti.  
Fico enjoado quando estou dentro dos ônibus e, meu avô que era motorista, vive dizendo que esse é um trabalho de sacana. Não sei o que é isso mas, do jeito que ele se irrita quando fala, deve ser coisa muito ruim.  
Aí, depois de pensar muito e ver que a hora do recreio está chegando, resolvi terminar está redação dizendo que quero ser professor igual a Pró Catita, porque não tem profissão melhor: só fica sentada mandando a gente fazer dever, não faz nada o dia todo e ainda tem duas férias por ano. Ser professor é bom demais.

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