quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Coca-Cola, Coentro e Chupamolho



Nunca passei de cinquenta e cinco quilos e tenho quarenta e quatro anos. 
Dada esta informação, deixo a imaginação do leitor deduzir como era meu porte físico aos sete anos de idade. 
Em uma época onde o bairro que eu moro era menos movimentado, menos populoso e com mais jeitão de interior, eu transitava pelas ruas com a tranquilidade de quem passeia em um parque.
Tudo isto explicado e esclarecido, vamos à história.
Determinada manhã, minha querida mãe me incumbiu de três tarefas:
1 ir na vendinha do bairro e comprar coentro;
2 passar no açougue e comprar um quilo de chupamolho;
3 comprar uma Coca Cola de dois litros.  
Preciso informar aos mais jovens que, não tínhamos naquela época garrafas de plástico: eram todas de vidro. 
Voltando ao causo, lá fui eu com toda minha boa vontade e magreza cumprir as tarefas. 
“Primeiro compro o coentro – fui pensando – depois vou no açougue e, por último a Coca Cola”.
Minha ideia era começar pelo mais leve e terminar com o mais pesado pois, assim carregaria o maior peso por um período menor de tempo. 
Eu era criança mas, não era bobo. 
Para não esquecer, já que minha mãe não anotou por serem poucos itens e, inaceitável que eu esquecesse, fui repetindo os itens como um mantra. 
“ Coentro, chupamolho e Coca Cola. Coentro, chupamolho e Coca Cola. Coentro, chupamolho e Coca Cola...”
Em um determinado momento, como diz o poema, no caminho tinha uma pedra e, nem eu nem o dedão do meu pé nem tínhamos lido o poema e nem vimos a bendita pedra. 
Pensem em uma topada... Pensem em uma dor que até meu retrato na parede de casa deve ter tremido...
Na época eu não me atrevia a xingar mas, confesso que abri uma exceção em relação àquela pedra. Após alisar meu pobre dedão e aliviar a dor retomei meu caminho mas, ao repetir o mantra, uma dúvida me assolou:
Era coentro ou hortelã que eu deveria comprar? Pensei um pouco e, confiando em minha memória, segui em frente. 
Passei na vendinha, fiz a primeira compra e segui rumo ao açougue. 
Agora o mantra era menor. 
“ Chupamolho e Coca Cola. Chupamolho e Coca Cola. Chupamolho e Coca Cola. Chupamolho e Coca Cola...
Consta que, naquele momento, passou um ônibus e eu, criança que era , resolvi repetir o que sempre ouvia os adultos comentarem:
“ Olha lá! O ônibus vazio! Quando a gente precisa só passa lotado!”
Feita está observação inútil para mim mesmo, voltei ao mantra:
Chupamolho e Coca...
“ Era chupamolho ou cruz-machado?”
Ah, a resposta era óbvia. 
Fui recitando o mantra até o açougue, efetuei a compra e parti em busca da Coca Cola. 
A caminhada foi longa, o sol estava forte, o dedão doía mas, eu seguia firme para cumprir as tarefas. 
Pendurei uma sacola em cada ombro e segurei a Coca Cola com as duas mãos, encostada em minha barriga. 
Lembrando que eu era pequeno e bem magrinho, aquele peso somado ao frio da garrafa gelada, as sacolas que insistiam em deslizar dos ombros para os braços e o dedão que doía, transformou aquele no pior trecho de todo o percurso. 
Frequentemente tinha que parar e botar a Coca Cola no chão. 
Tanto para ajeitar as sacolas quanto para descansar do peso da garrafa ou, até mesmo, enxugar o suor que corria da testa para os olhos. 
Depois de uns trinta minutos nesta toada, finalmente cheguei em casa. 
Estava cansado, suado e com a barriga gelada e molhada mas, cumpri minha tarefa. 
Minha mãe pegou as sacolas e levou para a cozinha enquanto eu me preparava para um merecido banho. 
Estava somente de toalha quando ela saiu da cozinha com as sacolas, nitidamente irritada. 
- Te peço para fazer umas coisinhas e você ainda faz errado!
Confuso, esperei para saber o que fiz de errado. 
- Te peço para trazer um coentro, você traz hortelã; chupamolho, você traz cruz-machado... Agora vai ter que voltar para trocar tudo!
Na ocasião, ao imaginar toda a caminhada, chorei desesperado. 
Hoje em dia, agradeço por ter acertado pelo menos a Coca Cola.

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