sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Zunzunzum



Dia cansativo e irritante tinha sido aquele. 
Cheguei em casa com cada fibra de meu corpo pedindo, exigindo e implorando por um banho e cama. 
Após uma merecida chuveirada e um prato de sopa requentada, finalmente me atirei sobre a cama que, juro por Deus, nunca esteve tão macia, confortável e aconchegante. 
Uma leve chuva completava o delicioso cenário que só não era perfeito porque teria que acordar cedo para outro dia de trabalho. 
Fechei os olhos e até dei um gemido de prazer. 
Mas tanta paz não poderia mesmo durar muito. 
Bastou tentar alcançar o maravilhoso mundo dos sonhos para que aquele maldito ruído começar: zuuuuuuuuuum...
Inconfundível, logo percebi que aquele desagradável som só poderia vir de uma irritante muriçoca. 
Com preguiça e muita pena de mim mesmo, resolvi por não levantar e ignorar aquele incômodo e inconveniente inseto. 
Mas era impossível não se sentir incomodado com tão irritante zumbido. 
Ainda sem vontade de sair da aconchegante cama, tentei resolver a questão agitando o braço numa tentativa inútil de acertar o inseto. 
Por um minuto pareceu que a tática havia dado certo pois, o desagradável zunzunzum havia cessado. 
É, porém, mas, todavia, minha alegria durou menos tempo que  o salário em minha conta e logo, o som revoltante voltou a se fazer ouvir. 
Peguei o lençol e girei sobre a cabeça tal qual um helicóptero desgovernado, na certeza de que era impossível a maldita muriçoca escapar desta vez. 
Fiquei em alerta, apesar dos olhos fechados, por alguns minutos e constatei que o delicioso som do silêncio imperava em meu quarto. 
Cheguei até a dormir um pouco quando, repentinamente, o zunzunzum recomeçou. Parecia que o maldito bicho fazia vôos rasantes ao redor de meu pobre e já sofrido ouvido. 
Me cobri dos pés a cabeça na inútil esperança do lençol criar algum tipo de campo de força ou algum isolante sonoro que me protegesse daquele tormento inoportuno. 
Juro por Deus que, o demoníaco animal chegou a pousar, por cima do lençol, sobre meu ouvido e passou a marchar, como um soldado fazendo sentinela, de um lado para o outro pois, eu podia ouvir nitidamente o som dos seus passos. 
Indignado, irritado e sonolento, resolvi dar um basta naquilo e, num salto, levantei da cama e acendi a luz. 
Olhei por todo o quarto e não vi o inseto em parte alguma. 
Achando que o cansaço estava me pregando peças, apaguei a luz e tornei a deitar para o meu merecido sono. 
Pois quase que de imediato, saída sei lá de onde, a maldita muriçoca retornou com seu irritante zumbido ao meu redor. 
Tornei a levantar e acender a luz. 
Peguei o inseticida e o espalhei por todo o quarto. 
O ódio era tanto que praticamente esvaziei o vasilhame, ato este que quase me mata, ao invés da muriçoca. 
Voltei a deitar, meio sufocado pelo cheiro forte do inseticida que, ironicamente, comprei porque trazia na embalagem a informação de que era um produto sem cheiro. 
Parecia que o problema estava finalmente resolvido e, feliz, até consegui dormir um pouco. Porém, como vocês podem imaginar, isso não durou muito tempo: o maldito bicho não só voltou como parece ter convidado um parceiro para o show musical em meu ouvido. 
Levantei furioso e peguei a espingarda que guardava embaixo da cama, para enfrentar um hipotético ladrão, e passei a mirar a procura das duas malditas enviadas do coisa ruim. 
Após cair em mim e perceber que, além de esburacar minhas paredes, eu jamais conseguiria acertar um tiro na muriçoca, resolvi pegar um pedaço de papelão e deitar com a luz acesa. 
O problema é que, as muriçocas até ficaram intimidadas com a lâmpada acesa mas, o sono se recusou a permanecer com aquela claridade. 
Tornei a apagar a luz e, tão cansado estava que adormeci de imediato. 
Porém a muriçoca, que havia desistido de fazer show solo e formara uma dupla, agora parecia ter montado uma banda. 
Sem levantar, peguei o pedaço do papelão e, freneticamente sacudi de um lado para o outro até ouvir um estalo seco que só poderia ter sido causado por uma pancada na maldita muriçoca. 
Acendi a luz e, finalmente as peguei de surpresa e exterminei uma por uma, sem dó, piedade ou remorsos. 
Apaguei a luz e sorrindo satisfeito, fechei os olhos. 
Devo ter dormido por uns vinte minutos quando, um barulho ainda mais irritante que o zumbido das muriçocas, foi ouvido em meu quarto. 
Assustado, levantei já com o inseticida e o papelão na mão. 
Ao perceber que aquele som nada tinha a ver com a muriçoca, sentei na cama para ordenar meus pensamentos e, incrédulo, vi que o som vinha do velho despertador, herança de minha saudosa avó. 
Eram cinco da manhã. 
Trabalhei durante todo o dia, irritado e sonolento e, agora estou deitado na cama após dedetizar três vezes o quarto, já a um passo do mundo dos sonhos. 
Apago a luz e fecho os olhos. 
Silêncio, escuridão, conforto...
E, de repente, um zunzunzum se fez ouvir.
Sem conseguir acreditar que aquilo estava novamente acontecendo, estou indo dormir na sala e, conformado, deixo o quarto para os novos donos: a orquestra das muriçocas.

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