quarta-feira, 12 de outubro de 2022

A Ameaça


Nunca fui um sujeito covarde. Gostaria de iniciar esta história contando, concluindo, confirmando, afirmando e reafirmando essa condição. 
Mas, por outro lado, sempre fui muito prudente. 
É, porém, mas, todavia, quando se tratava de sair a noite, confesso que deixava a prudência meio de lado e fazia umas coisas que, digamos, não eram as mais saudáveis para minha própria segurança. 
Em uma destas noites, fiquei em um bar até o nada prudente horário de três e meia da manhã. Sabem como é: cerveja gelada, conversa boa...
Numa época em que nem sonhávamos com Uber, táxi era coisa de rico e ainda não tinham barateado os preços dos celulares, lá estava eu a pelo menos uns trinta minutos de caminhada até minha casa, por um caminho completamente deserto. 
Assustado e me perguntando onde andava meu juízo, pus-me a caminhar. 
Juro pela minha Santa Aquerupita que, estava deserto ao ponto de, os únicos sons que eu ouvia eram meus passos e minha respiração. 
E a escuridão?
Não sei se por uma infinita maldade da companhia de iluminação ou se por uma dose cavalar de azar da minha pessoa mas, grande parte das luzes dos postes estavam apagadas. 
E lá ia eu. 
Assobiei para distrair os nervos mas, meu próprio assovio quebrando aquele silêncio, me assustava. Parecia ambiente de filme de terror aquela combinação de escuridão, deserto e assobio. 
Resolvi começar a cantar e, também me arrependi. 
Até este dia, não tinha me tocado no quanto canto mal. 
- Meu Deus, que coisa horrorosa – pensei. 
Metade do caminho já tinha sido percorrido quando, o pior aconteceu. 
Um pouco a frente de onde eu estava, havia um monte de entulhos depositados em um canto da rua e, atrás desta pilha, dava para vislumbrar claramente uma cabeça. 
Diminui os passos e apertei os olhos, daquele jeito que a gente aperta quando quer enxergar melhor o que já não estamos enxergando com os olhos normalmente abertos. 
Eu realmente não sei para que a gente faz isso. Desde quando fechar mais os olhos vai nos fazer enxergar melhor que com os olhos abertos?
Ainda mais no escuro... Mas, deixando isso para perguntar depois a um oftalmologista, voltemos às história. 
O fato é que, com os olhos abertos ou fechados, dava para ver nitidamente que, alí atrás dos entulhos, tinha alguém escondido, de tocaia e, com toda certeza, para coisa boa é que não era. 
Parei de andar e comecei a pesar as opções. 
Voltar era complicado. Voltar para onde? Dormir na rua e me expor ainda mais? Fora de cogitação. 
Passar correndo? Fora de cogitação também. E se o cara estivesse armado e resolvesse atirar?
O jeito era passar mesmo. 
Olhei para os lados e vi, encostada em uma parede, um pedaço de pau. 
Pronto. Era minha arma. 
- Já vou avisando que estou armado – gritei. 
O grito ecoou até bem longe mas, isso não fez o cidadão sequer se mexer do lugar onde estava escondido. 
Fiz minhas orações, respirei fundo e voltei a andar. 
Foi quando, em vez de melhorar, minha situação piorou. 
Apareceu, sei lá de que rodovia do além, de repente, um carro que, quando dei por mim, já estava praticamente do meu lado. 
E ele vinha bem devagar e encostando justamente para o canto da rua onde eu me encontrava. 
- Nem saí do forno e já caí na frigideira – pensei. 
Trêmulo e já me despedindo de minha velha carteira, observei com o canto do olho, desta vez sem apertar, a aproximação do sinistro veículo. 
Quando estava exatamente ao meu lado, o vidro foi baixado e, uma voz assustadora se fez ouvir no silêncio daquela noite macabra:
- Tá fazendo o que na rua uma hora dessas, Geraldino?
Ao ouvir meu nome, o sangue voltou às minhas faces, e tomei coragem de olhar: era o Beto Boêmio, meu vizinho que, também gostava de um barzinho a noite mas, diferente de mim, tinha um carro. 
- Passeando – respondi meio sem graça. 
- Entra aí que te dou uma carona. 
Agradeci aos céus aquela evidente resposta divina às minhas orações. 
O cara que estava escondido atrás da pilha de entulhos, com certeza, havia perdido sua vítima. 
E nem deu tempo de recuperar o fôlego e avisar ao Beto Boêmio que, já arrancava com o carro, “queimando pneus”, como era de seu costume. 
Mas, ao passar pela pilha de entulhos, ainda deu tempo de dar uma boa olhada no discípulo do capeta que estava alí escondido. 
Foi aí que, enxergando melhor e sem o medo para confundir os sentidos, descobri que, aquele homem que tanto me aterrorizou era, na verdade, um busto de manequim, largado alí para ser recolhido pelo caminhão de lixo no dia seguinte. 
Nunca contei isso ao Beto. 
E, se você o conhecer e resolver contar, vai se ver comigo. 
Porque, como eu disse no começo: nunca fui um sujeito covarde e sou valente feito Lampião.

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