quarta-feira, 12 de outubro de 2022

As Compras


Preciso falar uma coisa antes de começar essa história: minha memória é muito ruim. Aliás, muito ruim ela era a uns quinze anos atrás!
Hoje em dia ela é praticamente inexistente. 
Deixando claro este ponto (antes que eu esqueça), vamos aos fatos:
Cheguei em casa em pleno sábado à tarde, após um dia cansativo de trabalho precedido por uma semana estressante, cujo desenrolar prefiro não relatar aqui, até porque não lembro mais.
Porém, minhas atividades diárias nem sempre se resumiam ao trabalho e, por ser começo de mês, nem passei em casa e fui direto ao supermercado. 
Vou abrir um parêntese aqui para ilustrar que existe uma única verdade absoluta em minha vida: eu odeio supermercados!
Ruim de estacionar, cheios de pessoas transitando com seus carrinhos, filas enormes... Um porre. 
Mas, não posso viver sem eles e nem tenho como pagar a alguém para ir em meu lugar portanto, lá fui eu. 
E o roteiro foi igualzinho ao que previ nas linhas acima. 
Depois de quase quatro horas, eu finalmente estava dirigindo para casa com a mala do carro e meu saco igualmente cheios. 
No meio do caminho, lembrei que tinha esquecido de comprar uma série de itens e, amaldiçoando minha mania de não preparar uma lista de compras, fui obrigado a parar em outro supermercado. 
Mais uma dificuldade para estacionar, mais gente, mais fila...
Saí depois de uma hora com a certeza de que, desta vez tudo tinha sido comprado e nada mais faltava. 
Entrei em casa carregando uma parte das sacolas e, depois de mais três viagens até o carro, consegui descarregar todas.  
Minha filha, a outra habitante da residência, saiu do quarto sonolenta e, com olhar de espanto, tentou me falar algo. 
- Na volta, filha! Agora estou com pressa – e sai correndo com destino ao açougue, imaginando que o que ela iria falar era, na verdade, uma queixa por ter que arrumar as compras sozinha na despensa e na geladeira. 
Fui até o açougue que, para mim, nada mais é que uma extensão do supermercado: mesmo inferno porém, em proporções menores. 
Mais dificuldade para estacionar, mais gente em um espaço ainda menor e mais fila. Pense se isso é jeito de passar um sábado. 
Sábado é dia de futebol, cervejinha...
Foi nesse momento que lembrei de não ter passado na loja de frios. 
Como já estava perto de casa, resolvi seguir caminho e deixar logo as carnes na geladeira. 
Entrei esbaforido e depositei as sacolas em cima da pia. 
Minha filha, mais uma vez tentou me falar algo mas, não deu para escutar. 
- Já volto, filha! É rápido!
Ainda pude ouvir a pequena gritando:
- Mas, pai...
Como a casa de frios não era longe, dispensei o carro e evitei o problema do estacionamento. Uns vinte minutos depois estava saindo de lá com queijo, presunto, azeitonas e outras coisas vitais para os petiscos que, eram tão importantes para o futebol de domingo a tarde quanto o artilheiro de meu time do coração. 
Chegando em casa, entrei e saí tão rápido que, desta vez, minha filha nem teve a oportunidade de me ver. Melhor assim. Na volta, reservaria todo o tempo que tivesse para ouvi-la. 
Mas naquele momento, mais uma vez amaldiçoando minha memória ruim, precisei sair de novo pois tinha esquecido algo de fundamental importância: as cervejas. 
Peguei o carro e fui até o depósito de bebidas. 
Dez minutos depois, finalmente estava em casa para, pelo menos naquele dia, não mais sair. 
- Pronto, filha – falei – vou tomar um banho e volto para que a gente possa conversar. 
- Tudo bem. Agora não tem mais pressa. 
Já “banhado”, pude finalmente ouvir minha filhota do coração. 
- Pai – começou ela – primeiro gostaria de lembrar que tentei te falar e você não parou para ouvir. 
- Verdade – respondi com a consciência já pesando. 
- Depois tentei te ligar e, descobri que seu celular estava dentro da sacola, junto com os pacotes de arroz e feijão. 
- Nem percebi – afirmei constrangido. 
- Quero te avisar que liguei para mamãe porque estou preocupada com sua condição. 
- Minha condição? Que condição? – perguntei assustado. 
- Pai, porque você fez todas estas compras hoje?
- Ué – respondi confuso – porque é isso que faço todo mês quando recebo o salário, tipo hoje. As compras acabam e eu faço mais afinal, estamos sempre precisando comer e de tudo mais que comprei. 
- Pois é, pai. E em que data do mês você faz isso?
- Sempre no começo do mês, a menos que acabe tudo antes. 
- Isso – continuou minha pequena – e você lembra a última vez que isso aconteceu? De acabar tudo antes?
- Lembro vagamente. Só sei que pedi um adiantamento do salário para ir ao mercado uma semana antes. 
- Isso foi semana passada, pai! Você fez todas estas compras semana passada – falou minha filhinha com os olhos marejados – e agora fez tudo de novo. Pai, seja sincero, você anda se drogando?
- Claro que não, filha – respondi envergonhado. 
- Então mamãe está certa: vamos ter que internar você. 
Discordei, sem muita convicção, enquanto pensava que, pelo menos, não precisaria voltar ao supermercado no próximo mês.

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