quarta-feira, 12 de outubro de 2022

A Carona


Meu nome é Bonifácio. 
Sou um rapaz educado, prestativo e bondoso. 
Odeio brigas e evito problemas. 
Dito isso, gostaria de contar uma história que me aconteceu um dia desses, que juro ser a mais pura verdade. 
Estava eu me dirigindo a um determinado local onde nunca estive antes e, por uma destas ironias do destino, o GPS simplesmente, do nada, parou de funcionar. 
Completamente perdido, sem saber para onde ir e muito menos onde estava, resolvi pedir informações aos pedestres que por ali estavam. 
Como sou um sujeito desconfiado, tentei selecionar com quem falaria para que não fosse ludibriado por algum malandro. 
Encostado em um muro, próximo ao ponto de ônibus, estava um senhor alto, magro e muito bem vestido com uma pasta embaixo do braço. 
Parei o carro ao seu lado e travamos o diálogo que narrarei a seguir:
- Bom dia – comecei. 
- A paz do Senhor, irmão – respondeu. 
- O senhor sabe me informar como eu chego na Rua Oliveira Sobral?
- Sei sim – respondeu sorridente – inclusive, não sou muito de pedir mas, se me der uma carona, te mostro direitinho onde fica. 
Não sou muito de dar carona a gente que nunca vi na vida mas, analisando minha situação e olhando para aquele homem bem vestido, simpático e religioso temente a Deus, concluí que poderia sim, neste caso, abrir uma exceção. 
Destravei a porta e convidei o cidadão para entrar no carro. 
- Diz a Bíblia – começou – que toda boa ação gera outra ainda melhor. Veja bem o senhor: estava eu ali imaginando como faria para chegar até minha congregação porque, admito que estou sem um tostão no bolso. Aí, mandado pela Graça Divina, o senhor apareceu. Pode seguir em frente por está rua mesmo e “quebre” a primeira à direita. 
Fiquei puxando da memória em que parte do Livro Sagrado tinha esse trecho mas, como não sou profundo conhecedor das Escrituras...
- Inclusive – continuou abrindo a pasta que trazia – vou aproveitar que estou obviamente na presença de uma pessoa boa de coração e te oferecer este santinho que fala da obra do Senhor. Segunda à esquerda agora, alí depois da sinaleira. 
Aceitei alegremente o santinho e guardei no porta luvas. 
- Tenho também aqui, para a Glória e honra do Senhor, está pequena revista que estamos vendendo para arrecadar fundos para a reforma de nossa congregação. Quando o senhor aceitou me dar carona, logo pensei: “ está aí um homem bom que acredito não se recusará a pagar uma quantia tão pequena quanto cinco reais, para ajudar nossa obra! Amém?”
Eu provavelmente não leria aquela revista nunca mas, pela simpatia do homem e como agradecimento por estar me ajudando neste momento complicado, achei que cinco reais era um preço até pequeno a pagar. 
- Que Deus lhe abençoe. Entre naquela rua após a barraquinha azul. O senhor conhece o Novo Testamento? 
- Já li alguns trechos – respondi meio encabulado. 
- Pois, pela sua bondade e pela Graça do Senhor, aleluia, vou te dar a oportunidade de conhecer um pouco mais desta maravilhosa obra. Siga em frente nesta avenida e depois pegue a esquerda após a escola. 
Me entregou uma Bíblia, que cabia na palma da mão, contendo toda a narrativa do Novo Testamento e o Livro do Apocalipse. 
- O julgamento está próximo, irmão! Pegue a principal aí depois do retorno e siga em frente. 
Agradeci pela mini Bíblia e guardei também no porta luvas. 
- Mas infelizmente, neste mundo em que vivemos, até mesmo a Palavra de Deus tem alguns custos e por isso pedimos a contribuição simbólica de dez reais pela Bíblia, apenas para cobrirmos os gastos da gráfica. Sei que seu coração é bom e o senhor vai entender, amém? 
Comecei a achar que a carona estava ficando meio cara mas, paguei os dez reais que o homem me pedia. 
- O senhor é um homem abençoado e Deus vai te recompensar. Siga por esta transversal e logo chegaremos. 
Enquanto seguíamos viagem, o homem tentou me vender mais cinco itens de sua igreja, além de um aparelho que me diria quando meu botijão de gás estivesse prestes a esvaziar. 
Ao todo, aquela carona já havia me custado cinquenta e oito reais. 
Após muitas “entradas a direitas” e “entradas a esquerda”, finalmente o bom homem disse a frase que eu mais gostaria de ouvir:
- Pode parar que é aqui!
Desceu do carro, agradeceu a carona e saiu andando. 
- Senhor – gritei pela janela – é essa a rua que procuro?
- Não – respondeu sem parar de andar – aqui é a rua de minha congregação! Por isso desci do carro. 
- E a rua que procuro, onde é?
- A Rua Oliveira Sobral é lá onde o senhor me deu a carona. 
- Como é?
- Eu te disse que, se me desse uma carona, eu diria onde fica a rua, mas não disse que estava indo pra lá. O senhor me deu a carona e eu estou te dizendo onde é a rua. O senhor cumpriu sua parte e eu estou cumprindo a minha como homem de palavra que sou. Amém?
Minutos depois eu estava sendo seguro por dois homens após ter quebrado o aparelho de medir o nível do botijão na cabeça dele e ter lhe batido com um exemplar do Livro de Jó que havia comprado por doze reais. Porque, depois dessa, nem Jó teria tido paciência.

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