Ronival Saicedo chegou em casa, sexta a noite, bastante chateado.
Como querem que ele se previna da pandemia se o obrigam a entrar, duas vezes por dia, em um ônibus mais lotado que lata de sardinha, mais cheio que formigueiro, mais apertado que parte traseira de calça de periguete, mais abarrotado que bexiga de bêbado e mais entupido de gente que loja de um e noventa e nove em dia de liquidação?
Ronival estava estressado e, para diminuir o stress, deu uma escapadinha até o bar de José das Rosas. Lá sentou em uma mesa separada afinal, prevenção é tudo!
Tirou a máscara, comeu, bebeu, cantou no karaokê e até beijou uma criatura bem ajeitadinha que apareceu por lá.
Depois sentou junto com ela e seus amigos em outra mesa e papearam, sem máscara até altas horas.
Mas sempre passando álcool nas mãos afinal, prevenção é tudo!
No dia seguinte, mais relaxado, Saicedo deu uma escapulida até a praia.
- Só um mergulho não vai fazer mal.
Foi de ônibus mesmo porque, o dinheiro do Uber gastou no dia anterior.
Mas, se já estava exposto durante a semana toda, não seria uma viagem rapidinha até a praia que pioraria sua situação.
Após tomar um banho no marzão que Deus fez, sentou em uma barraca para beber algumas cervejas e comer um pouco afinal, a doença pega mais forte quem está mais fraco, não é mesmo?
E prevenção é tudo!
Voltou para casa “de tardezinha” em um ônibus tão cheio que, só dava para botar um dos pés no chão.
- A culpa é do prefeito que está obrigando o povo a trabalhar em pleno sábado de pandemia!
A noite, pretendia ficar em casa para evitar aglomerações afinal, prevenção é tudo!
Porém, Mario Maniçoba, seu amigo de longa data estava deprimido e precisava desabafar. Se encontraram então no bar de José das Rosas, onde poderiam beber fiado, e lamentaram juntos a situação atual.
Sem máscaras, Maniçoba dizia que não tinha como sobreviver com a loja fechada e sem trabalhar enquanto Saicedo reclamava que não tinha como sobreviver indo trabalhar todos os dias e se expondo daquela forma.
Como todos sabem, apesar da ciência não comprovar que, bebida alcoólica só é boa com diversão e calor humano, largaram aquela conversa triste e fizeram uma bem sucedida parceria em uma mesa de dominó.
Mas, ao fim de cada partida, bebiam uma dose de cachaça porque, todos sabem que álcool previne contra a doença e afinal, prevenção é tudo!
Na hora de ir embora, já meio bêbados, apertaram as mãos e deram um forte abraço, daqueles que só amigos fiéis sabem como é.
Rosival inclusive, após apertar a mão do amigo, enxugou com a mão uma lágrima que caia do olho enquanto que Mario, limpava também com a mão o nariz corizado.
Já no domingo, Ronival Saicedo passou a manhã em casa, de ressaca.
Sentindo-se melhor após o almoço, deu uma fugidinha até o aniversário da filha de Fernanda Fala Mansa, sua ex namorada.
- Vai ter pouca gente...
Pegou um ônibus menos cheio que o do dia anterior e se sentiu a vontade até de viajar com a máscara no queixo.
- Máscara incomoda de respirar.
Chegando lá, percebeu que a festa não tinha lá tão pouca gente assim.
Tinha paredão, feijoada e umas setenta a oitenta pessoas.
- Vou ficar só um pouquinho para não fazer desfeita e valorizar o dinheiro da passagem do ônibus e depois vou embora afinal, prevenção é tudo!
Mas, tinha muita gente que ele não via desde o começo da pandemia e, conversa vai conversa vem, comidinha vai comidinha vem, cervejinha vai cervejinha vem, saiu de lá quase meia noite.
Como não tinha mais ônibus, arranjou uma carona em um Fusca onde couberam doze pessoas. Mas, ficou o tempo todo de máscara afinal, prevenção é tudo!
Segunda feira acordou ressaqueado e de mal humor.
Se arrumou para trabalhar e chegou atrasado ao ponto de ônibus.
Quando o coletivo passou, estava lotado!
Um rádio do celular de alguém anunciava medidas mais duras no combate a pandemia: iriam fechar bares, restaurantes, praias...
Indignação geral.
Ronival Saicedo foi aplaudido quando disse:
- De que adianta fechar tudo e fazer a gente viajar espremido dentro de um ônibus cheio de gente?
Mas arranjou uma briga quando completou:
- Deveria era fechar tudo e deixar os trabalhadores em casa!
Apesar dos protestos dos que diziam precisar trabalhar para pagar as contas, Saicedo não recuou:
- O mais importante é se prevenir afinal, prevenção é tudo!
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