quinta-feira, 6 de outubro de 2022

A Quase Certeza

 

Ailton é amigo de Clodoaldo.  
Ailton não anda muito bem das finanças. 
Clodoaldo vai muito bem com sua padaria. 
Ailton precisa de um pequeno empréstimo. 
Clodoaldo tem o dinheiro para emprestar. 
Ailton resolveu pedir esse dinheiro emprestado a Clodoaldo. 
Ailton, que não tem carro, tinha que andar até a casa de Clodoaldo que ficava a uns vinte minutos de caminhada. 
Era uma caminhada relativamente longa mas, que a necessidade exigia. 
Saiu de casa dizendo para si mesmo: 
“ Não vai ser viagem “de balde” afinal, Clodoaldo é gente boa e é meu amigo. Ele não vai negar emprestar uma mixaria dessas para um amigo. 
Ele sabe que sou bom pagador e jamais daria calote nele. 
Aliás, justiça seja feita, Clodoaldo nunca me negou nada. 
Só daquela vez em que eu precisava de um dinheiro para pagar a conta do bar de Lucinio. 
Mas aí eu entendo: bebida é luxo para quem pode. Se fosse conta de comida era outra coisa. 
Se bem que, teve aquela outra vez que eu precisei de uma ajuda quando faltava dinheiro na hora de passar as compras no mercado e ele disse que não tinha dinheiro trocado. 
Mas, sei lá, de repente esse negócio de ser empresário deixa os caras só com notas de cem mesmo. Só que, para notas de cem existe um negócio chamado troco né? 
Mas Clodoaldo é meu amigo. Já me ajudou outras vezes. Não é agora na necessidade que ele vai negar ajuda para o camarada. Tenho certeza disso. 
Mas olhando bem, nem me ajudou tanto assim. 
Teve uma vez que precisei de uma calça jeans emprestada para ir numa entrevista de emprego e o miserável disse que as dele não davam em mim. 
Se bem que eu estava mais magro mesmo. 
Quando eu tinha carro, a gente até dividia a gasolina. 
Pensando bem, ele por ser mais rico, podia muito bem ter pago mais que eu afinal, o carro era meu e ele tinha mais dinheiro disponível. 
Estou começando a achar que Clodoaldo nem é tão meu amigo assim. 
Nunca esqueci da Sandrinha, que era minha paixão e aquele escroto, só porque tinha um carro mais legal ficou dando em cima dela e eu fiquei “chupando dedo”. 
Mas ele me ajudou muito quando minha mãe ficou doente. Emprestou o carro para eu levar ela no hospital e não posso esquecer disso. Clodoaldo é um amigão e, com certeza, vai me ajudar nessa hora de muita precisão. 
Só estou lembrando que, ele emprestou o carro mas, além de eu colocar o combustível, ainda paguei um aluguel, simbólico, mas paguei. 
Rapaz, esse Clodoaldo é um amigo bem sacana, olhando bem. 
Quer dizer, o cara me conhece desde pequeno, já comeu ovo com farinha lá em casa quando era criança, minha mãe já catou piolho nele e o cara me cobra um aluguel no carro para levar ela no hospital! Ele nem dirigiu! Teve trabalho nenhum... 
Será possível que vou dar essa caminhada toda a toa? 
Só falta ele dizer que, mesmo tendo todo aquele patrimônio, não vai ter um dinheiro tão pouco para me emprestar. 
Aliás, quem é ele para julgar se o dinheiro é muito ou pouco? 
Cada um que sabe sua necessidade. 
Nunca neguei nada para aquele filho de uma égua. Quantos pratos de comida e quantas cervejas já paguei para aquele filhote de coisa ruim? 
Agora só porque ficou rico, está metido a besta. Um imbecil daqueles... 
Daqui a pouquinho estou chegando na casa dele e vou ter que aturar aquela cara empinada. Nem lembra que hoje está por cima e amanhã pode estar por baixo. 
Só não volto daqui mesmo porque já estou praticamente no portão dele. 
É um ingrato, isso sim que ele é. 
Aí todo mundo fala: ' Clodoaldo é gente boa'. 
Com o dinheiro que ele tem, tinha obrigação de ajudar mesmo. 
Isso deve ajudar o povo só para se candidatar na próxima eleição. 
Tenho certeza que vai se candidatar a vereador e agora tá enganando os bestas fazendo essas caridades de interesseiro. Os outros ele ajuda e eu, que sou amigo de infância, vai me negar um empréstimo! Mas ele vai ver só uma coisa. Já cheguei em seu portão, miserável”. 
Tocou a campainha e, rapidamente, Clodoaldo apareceu. 
- Ailton, meu amigo! Há quanto tempo... 
- Uma p*! Não me venha com essa conversinha não! Os outros você ajuda por que é um interesseiro, quer ser político; eu, que sou seu amigo antigo, você me nega um mísero empréstimo! Pois quer saber? Enfie seu dinheiro naquele lugar, que eu não preciso dele! 
Passar bem, seu canguinha mal agradecido dos infernos! 
E foi embora furioso, enquanto Clodoaldo permanecia em pé, confuso, com a mão estendida e sem entender coisa nenhuma do que o amigo fez e falou.

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