quarta-feira, 12 de outubro de 2022

O Banheiro



Nunca estive tão bem vestido em toda minha vida. 
Acho que até a broaca da minha sogra, se não fosse tão implicante, admitiria que eu estava muito bonito e elegante. 
E tinha que ser assim afinal, eram as bodas de sei lá que zorra dos meus sogros e aniversário de quinze anos de minha cunhada. 
Festa pomposa, que prometia parar toda a pequena cidade onde a família era uma das mais nobres. 
O marido era o prefeito, a esposa era vereadora, o primo era juiz, o tio era desembargador, e por aí vai. 
Sim senhor, seria o evento mais marcante da história da cidade!
Lá estava eu então, de smoking, gravata borboleta e até creme no cabelo. 
Um sapato “bico fino”, que apertava meus pés, completava o traje. 
Comi com educação e bebi moderadamente. 
E não tinha como ser diferente porque, aqui para nós, resolveram fazer umas comidas chiques e trouxeram uns champanhes fedorentos e sem graça para servir aos convidados vips. 
Não que eu estivesse entre os vips por iniciativa de minha sogra. 
Não mesmo!
Eu que tenho o bom costume de comer rabada e tomar uma caninha, antes de encarar umas cervejinhas, como iria ter gulodice com essas frescuras sem gosto e sem graça?
Mas, a pedido de minha adorada esposa, me comportei como um verdadeiro lorde. Até beijei as mãos de todas as mulheres que me apresentaram! Os homens, apertei as mãos com aquela reverência que só as pessoas finas, cultas e educadas conseguem fazer. 
Eu estava orgulhoso de mim mesmo, confesso. 
O problema é que, meu estômago não era requintado e, rapidamente, começou a reclamar de tanta chiqueza culinária. 
Foi constrangedor: estava eu conversando com a excelentíssima senhora esposa do magistrado Pitolomeu Pereira quando, a barriga fez o primeiro sinal de descontentamento. Bruuuuuuuup. 
Com um sorriso amarelo pedi desculpas mas não me abalei afinal, era um problema desagradável porém, fácil de resolver. 
Fui até o banheiro, tranquei a porta e sentei no trono que, pasmem, parecia um trono mesmo! Pense em um vaso sanitário bonito!
O bicho era dourado e chegava a cegar os olhos de tão limpo e brilhante. 
A descarga era transparente e em formato de um grande diamante. 
Os tapetes eram tão felpudos que, juro por Deus, me fizeram ter vergonha dos travesseiros que eu tinha em minha cama. 
O chuveiro? Dourado com o botão de quente/frio na cor prata. 
Até esqueci por alguns segundos do meu princípio de diarreia. 
Porém, o bruuuuuuuup me lembrou que eu estava em um banheiro chique e não em uma exposição de arte. 
Até aí era só um inconveniente. O problema começou de verdade após o ato consumado e no momento de dar descarga. 
Puxei a cordinha, que estava enrolada em um forro de cetim, e nada da água cair no vaso. Puxei novamente e nada. 
Pensei que, era deselegante e desagradável mas, se eu simplesmente saísse dali, ninguém iria saber que seria minha pessoa a autora daquela arte que, literalmente, era uma obra. 
Mal terminei de pensar e alguém bateu na porta. 
Pela voz, percebi que o excelentíssimo juiz de direito também sofria de necessidades fisiológicas e estava apertado. 
Fiquei em silêncio e esperei ele bater até desistir. Mas, pense em um bicho teimoso! O cidadão bateu, bateu, bateu...
E enquanto ele batia, eu tentava resolver meu problema. 
Tirei a camisa afinal, não poderia molhar meu traje de gala, subi no vaso sanitário chique, destampei a descarga e me dediquei impacientemente a conserta-la. 
Mexi de lá, mexi de cá e o diabo do juiz batendo na porta. 
- Abre esta porta em nome da lei!
- Já vai – respondi disfarçando a voz, na esperança de não me denunciar. 
Desci do vaso e puxei a delicada cordinha. 
Chuaaaaaaa!
A água finalmente desceu. Aliviado, fui baixar a tampa, mas não antes de olhar se estava tudo bem no interior do trono dourado. 
Tudo bem, Graças a Deus!
Tornei a vestir o smoking e fui destrancar a porta para que o apertado juiz finalmente se desapertasse e deixasse de escândalo. 
Girei a chave na fechadura e pimba!
A chave quebrou. 
Me belisquei para saber se eu realmente estava passando por tudo aquilo ou se era um pesadelo causado pela quiabada que comi mais cedo. 
Como o beliscão doeu, conclui que eu estava acordado e deduzi que aquilo só poderia ser causado por uma praga de minha sogra. 
Uma praga ou um elaborado plano da jararaca para me desmoralizar. 
- Abre essa porta, seu cabra safado! Se eu passar vexame aqui, mando prender você e toda a sua família – gritava o juiz. 
- Espera que já estou saindo!
Mas entre o falar e o fazer, a coisa estava complicada. 
De repente, tomado pela fúria e desespero, o juiz “meteu o pé na porta” e caiu por cima do vaso chique que, por sorte, já estava fechado. 
- Meu Deus, que fedor! Tragam o Geraldo do necrotério porque tem um cadáver aqui – gritou o magistrado presepeiro. 
O bicho já tinha gritado tanto que chamou atenção de todos os convidados, que se aglomeravam na porta do banheiro. 
Gritos para lá, ameaças para cá, risadas e desmaio de minha sogra...
Comecei a gritar junto com as outras pessoas, reclamando daquele absurdo de ter alguém tanto tempo trancado no banheiro e fazendo com que o excelentíssimo e distinto magistrado ficasse impedido de satisfazer suas data venias necessidades. Minha esposa me encarava contrariada e eu, vivo que só, fingia que não estava vendo. 
No dia seguinte, durante o café da manhã em família, comentávamos sobre os ocorridos na noite anterior quando, minha sogra entrou furiosa com o jornal da cidade em mãos. 
- Ferrou! Minha casa caiu – pensei já desesperado. 
- A pior coisa – começou a cascavel travestida de sogra – é convidar pessoas de baixo nível para uma ocasião tão importante. 
Me encolhi na cadeira já imaginando a vergonha que iria passar. 
- E tem coisa pior que vexame no banheiro?
Enquanto eu já pensava em como iria me explicar, a anaconda continuou:
- Eu preocupada com o estrupicio do meu genro dar vexame e o bichinho até se comportou. Agora o juiz, que vergonha, fica bêbado, arromba a porta do banheiro vazio, faz escândalo e ainda rende essa notícia na capa do jornal! Eu queria ver minha festa sendo aclamada como a Festa do Século, e tenho que passar por essa vergonha!
E chorosa, atirou o jornal na mesa onde estava escrito em letras grandes, a matéria de primeira página:
A BADALADA FESTA DO MIJÃO!
E uma vexatória matéria que ignorava todo o glamour da ocasião e focava no “magistrado portador de uma vergonhosa incontinência urinária”. 
Vontade de rir eu até tive, mas achei melhor ficar quieto.

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