Uma Visitinha a Crispim

Seu Crispim é um fenômeno. Idoso de mais de noventa anos, saudável, lúcido e beberrão.

Uma visita à casa de Crispim serve para três coisas: matar a saudade, conhecer de sua sabedoria popular e quase centenária e, principalmente, beber.

Crispim tem um verdadeiro arsenal de bebidas em sua residência. E nada de bebidas geladas, chiques ou da moda. Na casa de Crispim, bebida é cachaça com alguma folha.

- Bebida de macho! Por isso estou com essa idade e ainda “dou no couro”. 

Aliás, ele não admite que ninguém chame suas “preciosidades” de cachaça, e seu reservatório de alambique.

O nome que Crispim dá as suas queridas infusões alcoólicas é: farmácia.

Para todo mal, para toda doença, existe uma cachaça. 

-Cachaça não! Remédio! – gritaria ele, se estivesse lendo agora.

E mesmo que você não esteja doente, você bebe para se curar.

Inclusive, minha primeira visita em sua casa, aconteceu desta forma:

- Bom dia, Seu Crispim! Vim trazer a encomenda de minha tia.

- Bom dia, meu filho! Como está você? Soube que você teve febre semana passada...

- Foi só uma gripezinha.

- Para garantir, separei um remédio para você. É tiro e queda: infusão de carqueja. Toma de uma talagada só, que vai ficar curado.

Olhei para o relógio e, achei meio cedo para ingerir álcool. 

- Sei não, Crispim, cachaça essa hora vai estragar meu fígado – falei em tom de brincadeira.

- Não tem problema! Tenho aqui uma de alecrim, que é ótima para fígado estragado. Tem que tomar em uma talagada.

- Duas cachaças de vez, vai dar prisão de ventre, seu Crispim.

- Tem essa de ameixa, que serve como laxante.

- Mas ameixa vai fazer mal para minha diabetes.

- Verdade. Então toma outra carqueja, que é bom para curar diabetes.

Vendo aquele amontoado de doses em minha frente, resolvi parar de discutir e bebi todas, uma atrás da outra.

Bebi as quatro doses “de uma talagada só”, conforme instruções de Crispim.

- Eita, que depois dessas, meu fígado já era – comentei.

Comentei e me arrependi imediatamente.

- Não se preocupe – respondeu de imediato, Crispim – Essa de boldo é tiro e queda. Toma de uma talagada só.

Nem discuti, porque seria pior. Tomei a cachaça e fiquei calado.

Engatei outro assunto, enquanto ainda estava sóbrio.

Mas, Crispim me olhava de um jeito estranho e, de repente, no meio da minha fala, me interrompeu:

- Estou te achando muito tenso. Toma essa de capim santo que é ótima para acalmar. Mas toma de uma talagada só.

O mais impressionante era que, Crispim, a cada indicação que me dava, tomava uma também.

Eu confesso que já estava grogue e o diabo do velho, estava inteirinho.

- Toma essa de camomila que é boa para má digestão.

- Mas Crispim, nós nem almoçamos ainda.

- Nesse caso, toma essa de gengibre, que é boa para preparar o fígado para quando for almoçar. 

Não havia passado nem meia hora e eu já estava bêbado. Levantei meio cambaleante e me despedi. 

Quando ia saindo, ouvi o velho resmungar:

- Moleque fraco, não aguenta nem uns aperitivos. Na próxima vai tomar só catuaba porque, fraco desse jeito, nem “no couro” deve estar dando mais.

Dito isto, encheu o copo e tomou um alcatrão.

- Porque é bom para gripe.