quarta-feira, 12 de outubro de 2022

A Astrovenga



Caro Sr Prefeito Zarastruta,
Estou datilografando estas linhas com a máquina de datilografar porque não acertei colocar papel no computador do meu filho. 
Olha, seu prefeito, estou muito chateado com o senhor e com esse negócio de vacina do coronga vírus. 
Primeiro Dona Etelvina, a doutora enfermeira lá do posto disse que eu não tinha idade para ser vacinado. 
Quer dizer, desde que eu era criança pequena que tomo essas furadas miseráveis e estava tudo bem, agora depois de velho não tenho mais idade pra ser vacinado?
Não vou mentir, fiz o maior barraco lá! Achei isso um absurdo. 
Cheguei em casa revoltado!
Aí foi que a Tininha, filha de Genoveva, me explicou que vocês estavam dando vacina do mais velho pro mais novo mas, que uma hora eu ia tomar também. Olhei no relógio e ainda eram nove e meia. 
Bom, pensei, dava para esperar até uma hora tranquilo. 
Quando deu doze e meia, me arrumei e voltei lá no posto. 
Vou te contar, seu Zarastruta, se arrependimento matasse ou eu tinha morrido, ou matava Dona Etelvina ou esguelava a cabeça de pinico da Tininha que não me explicou que “uma hora” queria dizer algum dia e não uma hora da tarde. Ainda tive que ouvir o desaforo da doutora enfermeira, perguntando se eu estava tomando remédio controlado para controlar a caduquice!
Saí de lá fumaçando, bufando e soltando faísca. 
Liguei para meu filho que é advogado, para processar todo mundo: a Tininha, a Etelvina, o posto, a prefeitura, o presidente e até o Papa!
Mas o Tinoco, meu filho, me explicou direitinho como funciona a tabela de vacinação. Aliás, Tinoco não, que ele não gosta: Doutor Antônio Tavares. 
Fiquei trinta e sete dias esperando chegar a vez de minha idade e, quando chegou, acordei com as galinhas e, três e meia da manhã, fui para a porta do posto com o travesseiro, um lençol, o “quente-frio” cheio de café e meu cachorro, o Lasquita. Fui logo cedo pra ser o primeiro, porque tenho mais o que fazer da vida e não posso deixar meus passarinhos sem comer e minhas plantas sem água. Eu vi num livro que quem planta seus males espanta. Não entendi direito mas sei que se eu cuidar de minhas plantinhas, vou espantar as coisas ruins de minha casa. 
O Lasquita, eu levei por dois motivos: para espantar ladrão safado que fica de madrugada roubando os outros e, meu vira-lata é mais retado que esses tais de pitibois, e também para guardar meu lugar na fila quando eu fosse fazer minhas necessidades fisiológicas urinárias. 
Quando o posto abriu, eu era o primeiro... a passar raiva!
Dona Etelvina disse que uma tal de coronavaca estava em falta e, por causa disso ninguém iria ser vacinado. 
Pense numa raiva! Eu nem entendi o que tinha a tal da vaca chamada corona a ver com a vacina mas, fiquei muito injuriado!
Inclusive, mandei a conta do café que tive que beber para ficar acordado na fila, junto com esta carta e espero que a prefeitura pague meu prejuízo, porque como vossa excelência sabe, café está caro!
Voltei pra casa e tornei a ligar para meu filho, que me acalmou com a promessa de me avisar quando a tal da vaca chegasse para que a vacinação recomeçasse. 
Aliás, tudo nessa prefeitura é esquisito: já ouvi falar das coisas sendo trazidas no lombo de cavalo, jegue, burro e até de boi, mas de vaca é a primeira vez! E, o prefeito podia muito bem pedir umas quatro cabeças ao Zé da Vaca que garanto que ele, homem rico e bom, não ia negar. Mas não, tinha que esperar essa vaca chamada corona chegar. 
Isso nem é burocracia, me perdoe a sinceridade, e sim uma verdadeira burrocracia ou, no caso, vacocracia. 
Antontem, o Tinoco me ligou e  disse que a coronavaca não ia chegar mas eu ia poder tomar a Astrovenga. 
Falei para ele que eu não ia! Sou matuto mas não sou idiota!
Vacina se dá é com agulha e não com astrovenga. Astrovenga serve para cortar cana lá no canavial e não para vacinar. 
Vai dar vacina ou arrancar o braço?
Aí foi que ele me explicou que essa astrovenga é o nome da vacina. Eu achei uma doidiça botar nome de ferramenta em vacina mas, como não tenho muito estudo, desisti de entender. 
Novamente fui lá no posto às três e meia da manhã, com o travesseiro, lençol, “quente-frio” e o Lasquita. Dessa vez, não me irritei com a doutora enfermeira Etelvina, porque tinha a bendita astrovenga, e eu realmente não vi vaca nenhuma por perto. 
Tomei a agulhada, que nem doeu muito, e aí tive que me estressar de novo porque, vou te contar, que perturbação esse posto viu?
A miserenta da Etelvina disse que era para eu continuar usando máscara até tomar a segunda dose. Expliquei a ela que não tinha bebido nem a primeira dose ainda porque, o Tinoco falou que não podia deglutir álcool quando fosse tomar a astrovenga e perguntei se podia tomar as duas de vez e qual cachaça seria? Pitú, 51, Tatuzinho, Caninha da Roça ou o bom e velho São João da Barra?
Aí me falam que a segunda dose não era de cachaça e sim, da astrovenga de novo! Quer dizer, vou ter que esperar três meses para tomar outra furada no braço? Não era melhor colocar tudo numa seringa maior e aplicar essa porqueira só uma vez?
E o pior nem foi isso! Uma semana depois, a Firmina que mora aqui do lado, e diz ela que é um ano mais nova que eu, foi no posto e tomou a vacina que a vaca trouxe! Pra mim ficou claro que está tendo implicância da doutora enfermeira Etelvina com a minha pessoa!
E porque eu acho isso? Porque Firmina vai voltar no posto e tomar a segunda dose daqui a um mês e eu, que tomei a astrovenga primeiro, vou ter que esperar três meses!
Isso é ou não é implicância comigo? Ou é, ou a Firmina está furando a fila!
O Tinoco disse que é assim mesmo: quem toma a vacina que a vaca trouxe, volta primeiro do que quem tomou a astrovenga mas, eu nunca vi advogado entender de vacina e, aqui pra nós, esse meu filho é meio lerdo desde que era criança pequena e nem sei como conseguiu virar advogado. 
Sei que prefeito entende de propina, super faturamento e politicagem mas, me vi na obrigação de contar para o senhor esses absurdos que estão acontecendo lá no posto de saúde que, afinal, é da prefeitura. 
Vou terminando por aqui porque o papel já está acabando na máquina de datilografia e eu só tenho essa folha. 
Ah, não conte a meu filho porque senão ele vai vir reclamar comigo, e nem a doutora enfermeira Etelvina, pra ela não matracar minha segunda dose, só de raiva. 
Se o senhor contar a eles ou não tomar providência com o posto, nem apareça aqui para pedir voto pois, farei campanha para seu adversário, o Carlinhos da Caçamba. 
Com muita estima,
Antônio Antunes, pedreiro aposentado, que ajudou a construir esse prédio horroroso que vocês usam como prefeitura.

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