quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Uma Manhã Enjoada



Irineu até que acordou cedo. 
Manhã de segunda feira e aquele ânimo natural das segundas feiras. 
Irineu não lembrava do motivo mas, desde sexta que bebia, comia e comemorava. Olhou o calendário na mesinha ao lado da cama: quatorze de agosto. Coçou o queixo e franziu as sobrancelhas, como fazem todas as pessoas que forçam a memória para lembrar de algo.
Porém, nada veio à memória que justificasse tanta comemoração. 
Sentou-se na cama e sentiu um arrepio quando sentiu o chão frio sob as solas dos pés. Um leve, porém incômodo enjôo, o fez lembrar novamente da bebedeira dos últimos dias. 
Olhou as horas e percebeu que já deveria estar se arrumando para ir trabalhar. Verificou o despertador do celular e constatou que havia sido desligado. Mais uma atitude sem explicação, provavelmente fruto da bebedeira do fim de semana. 
Espreguiçou preguiçosamente, como se houvesse outra forma de espreguiçar, e lentamente ficou de pé. 
Se alongou para “estalar os ossos” e, tal qual uma preguiça escalando uma árvore, caminhou até o banheiro. 
Em trinta e cinco segundos de caminhada, bateu o recorde mundial de bocejos em quantidade. Bateu também com a cabeça do dedo mindinho na quina da parede, o que o fez despertar um pouco. 
Afinal, todos sabem que faz parte da tradição soltar, liberar e libertar ao menos meia dúzia de palavrões quando acidentes do tipo acontecem. 
Reza a lenda que tal ato serve para aliviar a dor, acalmar a alma e até o padre perdoa nestes momentos. 
Irineu resolveu que tomar um banho frio seria bom para ajudar a despertar, até lembrar que não tinha mesmo ducha de água quente. 
Contudo, a água não estava fria e sim, gelada. Tão gelada que o pobre Irineu chegou até a soltar um gemido quando a dita cuja caiu do chuveiro sobre suas costas. Saiu do banheiro e, tal qual Barrichello cedendo passagem para o alemão vencer a corrida, passeou até a cozinha. 
- Um café preto, quente e sem açúcar, com certeza vai me acordar e “rebater” essa ressaca – pensou de si para si mesmo. 
Se a água do banho estava parecendo uma fugitiva de iceberg, o café parecia ter saído das entranhas de um vulcão, de tão quente que estava afinal, Irineu cochilou enquanto esperava ele esquentar e, óbvia e elementarmente, passou do ponto de fervura. 
Com a língua queimada e as energias um pouco restauradas, eis que o bravo Irineu finalmente saiu de casa. 
Logo no portão, a vizinha mexeriqueira o olhou com cara de curiosidade e perguntou com uma inexplicável estranheza:
- Oxe, vai trabalhar hoje?
Acontece que, quando está com sono, Irineu fica tão mal humorado quanto um aluno em dia de prova e tão impaciente quanto alguém apertado esperando a vez em fila de banheiro público e sendo assim, para não dar uma resposta tão desagradável quanto mosca em restaurante chique, preferiu fingir que era tão surdo quanto adolescente ouvindo bronca da mãe e nada respondeu. 
Devido à sucessão de atrasos causados pela combinação sono/ressaca e ainda tentando lembrar e entender o porquê de tanta farra e comemoração, Irineu perdeu o ônibus do horário. 
- Pronto! Agora, além de tudo, ainda vou tomar uma bronca do “pé-no-saco” do meu patrão – resmungou, feito um velho na fila do SUS. 
Meia hora, que pareceram uma eternidade, se passaram e finalmente o ônibus chegou. Já veio cheio, tal qual uma lata de sardinhas, e encheu ainda mais no ponto onde Irineu estava. 
E assim, mais apertado que sapato trinta e seis em pé de número quarenta, seguiu viagem por quarenta e cinco minutos até o trabalho. 
Quando desceu do ônibus, ainda mais enjoado que antes, Irineu até que tentou andar depressa para compensar um pouco do tempo perdido mas, caminhar rápido combina tanto com ressaca quanto arroz combina com pudim de leite e, o pobre Irineu, suando mais que cuscuz de milho recém saído do fogo, acabou levando o dobro do tempo que normalmente levaria, para chegar ao trabalho. 
Lá chegando, parou na porta para respirar e, só depois de alguns segundos, se deu conta que era bem melhor ter entrado e descansado ao frescor do ar condicionado. 
Um rápido pensamento sobre velhice e burrice, passou por sua mente. 
Pelo menos, alguma coisa tinha que ser rápida naquele dia tenebroso. 
Notou que todos os outros funcionários o olhavam mais espantados que comerciário quando recebe aumento de salário mas, creditou este fato ao seu atraso, que era mais raro que nota de duzentos reais. 
Decidido a não parar para dar detalhes a ninguém, caminhou até sua mesa, depositou seus pertences e, antes de qualquer outra coisa, bebeu cinco refrescantes copos d’água. 
Irineu, mal sentou-se e, pelos “cantos dos olhos” viu que o chefe caminhava, com a cara de poucos amigos de sempre, em sua direção. 
Atrás dele, com o ar zombeteiro de sempre, vinha Nestor, um insuportável gozador que também trabalhava na repartição. 
- Nem vou te perguntar o motivo – rosnou, feito motor de carro velho, o chefe – mas quero que você arrume suas coisas e vá embora para casa!
Irineu achava um exagero cortar seu dia por um pequeno atraso de uma hora mas, mais sem energia que bombado saindo da academia, apenas sussurrou, sem levantar a cabeça:
- É necessário isso mesmo?
- Lógico que é – gritou o chefe, mais alto que som de carro em rua silenciosa – você acha que vou te pagar hora extra? 
Mais confuso que Influencer tentando resolver equação, Irineu apenas conseguiu perguntar:
- Hora extra? Vai pagar hora extra porque cheguei atrasado?
- Que atrasado, maluco? Você está adiantado vinte e nove dias! Esqueceu que pediu férias, a começar hoje?
Nisso, a mente de Irineu clareou mais que pele de albino, e finalmente ele lembrou o porque de ter feito tanta farra no fim de semana: suas férias!
Nisso, Nestor que se segurava para não rir feito uma hiena, comentou:
- Eu bem que te disse para não beber aquele troço azul! Já é velho e desmemoriado, ainda quer beber igual a um garoto! Toma vergonha, seu descompreendido.

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