quarta-feira, 12 de outubro de 2022

A Cacada


Godofredo, Renivaldo e Ambrósio eram os três caçadores da cidade de Passa e Fica, no Rio Grande do Norte. 
Calhou que os três se apaixonaram por Neivinha Pele de Onça, garota formosa que também adorava uma caça e vivia embrenhado nas matas e, por isso, sem tempo para namoricos. 
Dizia-se que a moça ainda era virgem por não se importar com homens tanto quanto com sua espingarda, por ser difícil encontrar alguém que topasse viver o estilo de vida da moça e também porque, muito marmanjo tinha até um certo medo daquela mulher, tão valente quanto Lampião. 
Então, para conquistar aquela beleza selvagem, tinha que demonstrar vários atributos mas, principalmente a valentia. 
Acontece que, apesar de só pescador levar fama, caçador também cria, aumenta e exagera em seus feitos. 
Uma noite enluarada e fria, ao redor de uma fogueira, estavam os quatro: os três caçadores e a moça que todos desejavam. 
Na intenção de impressionar Neivinha Pele de Onça, Godofredo resolveu desafiar os rivais a provar para ela quem tinha realizado o maior feito de caça, mostrando quem é o mais valente. 
- Certa vez – começou – fui em um safári na África e me perdi da expedição. Vaguei por trinta e seis dias, me alimentando de uma única caça que matei na primeira noite. 
- Na primeira noite? – perguntou surpresa Neivinha. 
- Impossível! Isso é uma mentira deslavada – gritou um dos rivais. 
- Deslavado é esse seu couro velho que só vê banho uma vez por mês. Acontece que, enquanto eu preparava uma armadilha para algum animal pequeno que por ali passasse, senti a terra tremendo. Na hora pensei: 
“ valha-me Deus, é um terremoto!”
Fez uma pausa e olhou para ver o impacto que a história estava causando em Pele de Onça. 
- Mas não tinha terremoto nenhum! Era um elefante que media o tamanho de um daqueles apartamentos de São Paulo e pesava o peso de cinquenta Toinhas Toneladas, aquela gorducha que mora lá na cidade. O bicho era tão monstruoso que precisei dar quarenta e dois tiros só para ele parar de correr. Fiquei dois dias só na labuta para conseguir terminar de matar o bicho mas, finalmente consegui. Me alimentei dele durante todo o tempo que esperei o resgate me encontrar. 
- Só não insisto que é mentira – começou Renivaldo – porque já fiz coisa maior. Uma vez eu estava caçando nas costas do Japão e, um terremoto me afastou da civilização durante sessenta e oito dias. Peguei a espingarda que herdei de meu pai e saí procurando uma caça para me alimentar. Caminhei por quatro dias só a base de paçoca de carne de sol que tinha em minha bolsa. Como sou homem de muito paladar, aquilo não estava sendo o bastante para me sustentar. 
Mas, mesmo enfraquecido, continuei minha caçada. 
- Haja paçoca – falou com ironia um dos rivais. 
- Nessa caminhada – continuou ignorando a provocação – cheguei perto de um enorme lago. Subi numa pedra do tamanho daquela estátua de Padre Cícero que tem lá no Ceará, armei a espingarda e esperei um peixe de grande porte passar nadando. Aí senti uma agitação na água e disparei o primeiro tiro nesta direção. A água avermelhou e, de lá pulou uma baleia do tamanho do Corcovado, no Rio de Janeiro. Mas, diferente do colega que gasta munição a toa, acertei o segundo tiro dentro do olho com tanta precisão que atingiu o cérebro da bicha, que já caiu morta. Não só me alimentei da carne dela como ainda usei a carcaça para me proteger do frio enquanto dormia a noite. 
- Coisas impressionantes vocês fizeram – falou Ambrósio – como sou um caçador mais modesto, não sei se minha história vai causar a mesma boa impressão, mas vamos lá: estava eu caminhando sozinho na Amazônia quando, uma chuva daquelas que dá por lá, desabou sobre minha cabeça. Essa chuva durou doze dias, o que foi o bastante para alagar todo o terreno e me deixar ilhado por três meses. A chuva levou todas as minhas provisões e só restou a Jurema. 
- Jurema é sua esposa?
- Não, é minha espingarda. Fiquei desesperado sem comida e sem ter onde caçar quando, lá na água, vi uma cobra do tamanho de um trem. 
- Mas isso, comparado ao elefante e a baleia, é coisa pequena – ponderou Neivinha Pele de Onça, com a aprovação dos outros dois caçadores. 
- Era o que eu pensaria também – rebateu Ambrósio – mas, para minha surpresa, tinha algo mais. Quando vi que a bicha estava ferida pelo tiro que eu dei com a única bala que ainda tinha na Jurema, não contei conversa e pulei na água com o Agenor!
- Agenor?
- É, Agenor o meu facão. Fiquei duas horas acertando a bicha com o Agenor até conseguir abater ela. Quando o corpo boiou foi que percebi que não era uma cobra – deu uma pausa dramática e continuou – era o pescoço de um enorme brontossauro! 
- Um brontossauro? 
- Juro pela alma de minha avó Terezinha. 
- Mas sua avó se chama Gumercinda!
- Eu tenho duas avós, idiota!
A discussão não se alongou porque, nenhum dos três queria saber da avó de Ambrósio e sim, quem impressionou mais Neivinha Pele de Onça. 
- Achei interessante as três histórias – começou a moça – vocês são homens muito corajosos mas, nenhum dos três me impressionou. 
Sob protestos, Neivinha explicou:
- Não me impressionaram porque lembrei de uma vez que viajei lá para as bandas da Austrália e, num dia ruim de caçada, abati três caças diferentes. Derrubei um elefante, uma baleia e um brontossauro e, pelo que entendi, vocês caçaram os filhotes deles que resolvi poupar.

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