quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Cobra, Muro Alto e Reality


Preciso confessar: sou quase virgem. 
Não do que você está pensando e sim, dessa tendência de gostar de reality show, paredões, confessionário e tudo mais. 
Para mim, paredão nem tem a ver com reality e nem com música alta. Conheço isso como o muro da casa de seu Quinzinho, que deve ter uns quatro metros pois, o velhinho tem muito medo de ladrões invadirem sua casa e roubar seus preciosos jambos que, ele tão carinhosamente cultiva. 
Já confessionário, nunca entrei em nenhum. Mas sei que é o local da igreja onde as pessoas trocam as besteiras que fazem por uma punição dada pelo nosso bom padre Tinoco.
 Podem ser dez Pai-Nossos ou cinquenta Ave-Marias, a depender do tamanho e da qualidade pecado. 
Essa semana, lá por volta de meia noite e um bucadinho, acordei assustado com Josiel Juvêncio gritando no meio da rua e soltando fogos. 
Corri para a janela, já gritando:
- Que foi, homem de Deus? O Bahia foi campeão?
- Não, abestado! A Karol com k que foi eliminada!
Quase caí para trás com essa notícia e, após beber um balde de água com dois quilos de açúcar para me acalmar, liguei para o telefone de minha dentista, que é a única Karol cujo nome começa com k que eu conheço, para saber que dia seria o velório e como foi que eliminaram ela. 
Coitada, tão boa pessoa, apesar de meio doida, e o miserável do Juvenal comemorando! Isso lá é coisa para soltar foguetes?
Ela atendeu meio contrariada e me explicou que, se tivesse um velório dela, como estaria atendendo o telefone?
 Pediu que eu procurasse parar de beber e fosse dormir. 
No outro dia, procurei o Josiel Juvêncio para saber direito dessa história e o sujeito me disse que tinha sido uma rapper eliminada no paredão.
Não entendi porque botaram a tal da Karol para eliminar rapé na parede do muro de Quinzinho e nem porque ele ficou tão feliz mas, resolvi não questionar mais. 
- Foi com mais votos que Nego Di – me contou empolgado. 
- Nego de quem?
- Não sei de quem é não. Eu só assisto o programa: não me envolvo em fofocas – e saiu cheio Di si. 
- Karol com k é uma serpente que fez bullying com todo mundo e por isso foi pro paredão e teve quase cem por cento de votos. Entendeu, meu pai?
Eu disse a minha filha que tinha entendido mas, não entendi nada. 
Essa tal de Karol, que não é com c e sim com k, era o nome de uma cobra que bulia com todo mundo e, quando passou pelo muro de Quinzinho, foi eleita para algum cargo político, sem segundo turno, porque teve o voto de quase todo mundo. Faz sentido pra você? 
 Pra mim até faria, se mudasse o nome da cobra. 
Foi aí que me explicaram que é um programa na televisão onde as pessoas ficam trancadas em uma mansão, cheias de regalias e, na falta do que fazer, ficam caçando brigas umas com as outras. 
- Agora entendi! É tipo nossa vizinhança! Só que aqui é na rua e não em uma mansão. E é por isso que tem um paredão: uma mansão tem que ter um muro mais alto que a casa de Quinzinho. 
Minha filha, que é muito impaciente, respirou fundo e nada respondeu. 
Resolvi então perder a virgindade e, assistir pela primeira vez na vida, esse tal de reality show. Com cinco minutos de programa, ferrei no sono. 
Acordei com uma barulheira do cão e pensei que era meu vizinho cantando no karaokê mas, era o povo do programa brigando. 
Minha filha, com os olhos brilhando de felicidade, ria, gritava e torcia. 
- Você sabia que tem canal de UFC no pacote? – perguntei, querendo ajudar mas, fui ignorado. 
No dia seguinte, tentei assistir de novo. 
Não teve briga mas, o povo encheu a cara numa festa e um cara começou a chorar. Não entendi qual era a diferença daquilo para as festas de fim de ano de nossa família. 
- Mas aí tem um monte de gente famosa – explicou minha filha – por isso é legal. Não tem graça ver os vizinhos fazendo essas coisas. 
Não vi diferença, sabe? Um povo que não trabalha, chora, faz barulho, chora, ouve música ruim, chora, paga vexame, chora, fica bêbado, chora, age com falsidade, chora, faz fofoca e, já falei que eles choram muito?
Igualzinho aos meus vizinhos. 
Procurei ver quem eram os famosos e, sinceramente, não achei nenhum. 
Pensei que ia ver o Luciano Huck, Xuxa, Silvio Santos distribuindo dinheiro ou até, sei lá, até o Neymar rolando no chão com um corte de cabelo ridículo... Mas admito em toda minha ignorância que, não reconheci ninguém no meio daquelas figuras. 
- Esse é o Fiuk. 
- Quem?
- O filho do Fábio Junior – respondeu revirando os olhos e respirando fundo, minha impaciente filha. 
- Esse rapaz está bem? Ele parece que acabou de sair, ou de um manicômio ou de uma sessão de tortura. E essas outras pessoas fazem o que da vida? São cantores? Atores? Políticos?
- São Influencers e Youtubers. 
Repreendi fortemente a garota. Onde já se viu? Se não queria responder, não respondesse! Agora ficar xingando o pai em inglês, eu não admito. 
Em português já seria feio, imagine em outra língua!
Além do desrespeito, falta de patriotismo. 
- Quer saber, meu pai?
- O que? 
- Se você estivesse no reality, eu te botava no paredão mas, como não está, vou te cancelar. Boa noite. 
E saiu da sala, sem explicar como iria cancelar alguma coisa se estava tudo em meu nome. 
Essa juventude de hoje, não fala coisa com coisa.

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