quarta-feira, 12 de outubro de 2022

A Caixa do Demônio


Já perceberam o quanto as pessoas mudaram após o surgimento dos smartphones? 
Lembro que quando os primeiros celulares surgiram, eram coisas que desejávamos apenas pela necessidade desesperadora de ter uma novidade. Os bichos eram grandes, ruins de guardar, com sinal péssimo, simples, sem muitas funções e, acima de tudo, caros. Muito caros. 
Eu mesmo tive um que não cabia em meus bolsos. Tive que comprar uma capa daquelas que prendiam na calça e faziam um volume que parecia que eu estava portando uma arma de fogo. 
Ninguém me ligava e eu não ligava pra ninguém. 
Abandonei por um tempo essa ideia de ter celular e só voltei a comprar outro quando eles já tinham ficado mais modernos, funcionais, baratos, menores, mais leves e até trocaram de nome. 
O celular virou smartphone. 
Nome gringo e imponente, mas merecido. 
Os bichinhos viraram computadores de mão e fazem de tudo, inclusive ligações. É acesso a internet, máquina fotográfica, filmadora, calculadora, gravador, agência bancária, maquineta de cartão de crédito, cinema...
É um Severino digital!
Mas, como tudo que é bom tem seu lado ruim, apareceram no rastro de todas estas funções, as famigeradas Redes Sociais. 
É um troço até legal: você fala com quem está longe, faz compras, se diverte, se informa...
Mas, por outro lado, as pessoas criam notícias falsas, fazem fraudes, fofocas, indiscrições...
Em resumo, as Redes Sociais são o reflexo do ser humano: sempre dando um jeito de estragar o que deveria ser bom. 
Mas, ao meu ver, o pior dos malefícios dos celulares, perdão, dos smartphones é a distração. 
Manoel foi demitido porque foi flagrado postando fotos em horário de serviço, enquanto o trabalho se acumulava sobre sua mesa. 
Catarina brigou com o marido por ter deixado queimar o arroz, o feijão, o bife e até a panela de sopa, enquanto assistia um vídeo no YouTube. 
Afonso foi parar no hospital após ter caído em um buraco na rua enquanto olhava as fotos de Joaninha no Instagram. 
Bruninha e Marivalda acabaram uma amizade de dezessete anos por causa de uma notícia sobre política compartilhada no WhatsApp. 
Teodoro está com câimbra nas mãos de tanto segurar o aparelho o dia todo, apenas para não perder nenhuma novidade que surge nas Redes. 
Carlos foi ao psiquiatra porque está com stress causado pelas bolinhas que surgem na tela quando uma mensagem não é lida. 
Helena experimenta todas as receitas, remédios e chás que chegam de seus contatos. Intoxicou toda a família com um chá de urtiga. 
Mas, não houve caso pior que o de Hortelino. 
Era dia de entrevista de emprego. 
Acordou atrasado porque foi dormir tarde. 
Foi dormir tarde porque ficou “zapeando” nas Redes até altas horas. 
Levantou e, enquanto tomava banho às pressas, pediu a Mirinha, sua esposa, para que passasse sua melhor camisa. 
- E que camisa é essa, homem? – perguntou enquanto atualizava suas postagens no Facebook. 
- A de cetim verde!
Saiu do banho, vestiu a calça e calçou os sapatos, enquanto Mirinha passava sua camisa com uma mão e segurava o celular com a outra. 
Hortelino derrubou café em sua própria calça quando tentou derrama-lo na xícara ao mesmo tempo em que postava mensagens de bom dia em todos os trinta e quatro grupos do qual fazia parte. 
Sentiu um forte cheiro de queimado. 
- Tem alguma coisa no fogo, mulher? – gritou em meio ao envio de um áudio no WhatsApp. 
- Não sei – respondeu Mirinha enquanto lia as notícias que sua prima mandava – é você que está na cozinha. 
Hortelino olhou e viu que nada estava no fogão e voltou a postar fotos no Instagram onde colocou as legendas: “ força, foco e fé; partiu entrevista de emprego; Deus no comando; #nuncafoisorte”.
Trocou de calça enquanto Mirinha continuava a passar sua camisa com uma mão e segurava o celular com outra. 
Terminou o desejum ainda mais atrasado que já estava, arrebatou a camisa da mão direita de Mirinha porque a esquerda estava ocupada com o smartphone afinal, existem muitas mensagens a serem respondidas. 
Hortelino saiu correndo e enquanto corria, vestia a camisa. 
Horas depois voltou para casa cabisbaixo. 
- Como foi? – perguntou a mulher sem tirar os olhos do smartphone. 
- Péssimo! Estava indo bem mas fui reprovado por “negligenciar minha aparência”, segundo o entrevistador. 
- Como assim? Você saiu com a calça nova, o sapato lustrado e sua melhor camisa! O que deu errado? – perguntou Mirinha enquanto fazia uma selfie para seus seguidores. 
- Aconteceu – respondeu irritado – é que você não tira os olhos dessa caixa do demônio e queimou as costas de minha camisa! Andei no ônibus, no metrô, na rua e cheguei na entrevista de emprego com um buraco nas costas da camisa! Por isso todos riam quando eu passava e senti o tempo todo um vento estranho nas costas!
Hortelino estava muito irritado. Tão irritado que criou a hashtag #chateadocomaesposa,anexou a uma foto com a cara bem enfezada e postou em todas as redes sociais através do seu smartphone.

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