quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Cor de Rosa?


Dona Helena finalmente ia ser avó. 
De saúde frágil, não podia acompanhar o filho e a nora nos preparativos para a chegada do mais novo integrante da família tão de perto quanto gostaria mas, se informava como podia. 
Certa manhã, recebeu uma mensagem do filho e nela estava a foto de um lindo berço infantil, se é que existe algum que não seja. 
Dona Helena abriu a Rede Social empolgada e, para ver melhor aquela feliz novidade, deu uma leve ampliada na foto. 
E foi aí que o sorriso aberto murchou e se transformou em indignação: o berço bonito, branco e imponente estava decorado e ornamentado com um lindo forro de colchão, um pequeno travesseiro e todos os demais enfeites que um berço deve ter. Porém, tudo na cor rosa!
Dona Helena não podia acreditar no que seus velhos olhos lhe mostravam. 
Rosa? Enxovais rosas para um bebê do sexo masculino?
Dona Helena não estava nem um pouco preocupada com a futura orientação sexual de seu neto. Não, não era este o problema. A questão era a tradição! Onde já se viu isso? As cores são sinais e classificações!
Noiva casa de branco; luto é com roupa preta; carnaval com roupas e adereços coloridos; calça jeans é azul; enxoval de menino é azul e enxoval de menina é rosa! Foi assim que sua tataravó aprendeu e ensinou a todas as gerações que vieram e, isso não se muda!
Mas isso não iria ficar assim! Não iria mesmo! Pensando o que?
Isso não era coisa da nora. Com certeza é arte do cabeça oca do seu filho. Sempre querendo ser o “progressista diferentão”. Mas, desta vez, ele iria ouvir o que queria e o que não queria. 
Nem esperou ele chegar da rua: ligou imediatamente para o sujeito. 
Mas, talvez já prevendo a bronca que iria tomar, o sem-vergonha não atendeu o telefone. 
- Não tem problema, mando um áudio!
E mandou uma mensagem de aproximadamente cinco minutos contendo coisas como: “você é um destrambelhado”, “meu neto é homem e as coisas do berço tem que ser azuis”, “você não escapa de tomar um safanão só porque já é homem”, “estou decepcionada” e “minha pressão subiu por sua causa”, entre outras coisas. 
Esperou um, dois, cinco, dez, vinte minutos e o sem-vergonha não ouvia os áudios. Mas, uma hora ele iria ter que ouvir. 
E a nora? A culpa era dela também. Que o filho não tivesse juízo já era uma tragédia mas, que ela fosse cúmplice desta falta de respeito com as tradições, era inaceitável! Mandou uma mensagem pra ela também!
“ Ô sua destrambelhada, você está ficando igual a seu marido é? Meu filho já sei que é todo esquisito, com essas idéias dele, mas você também? Que história é essa de decorar o berço de meu neto de cor de rosa? Seu pai por acaso te vestiu de azul? Estou decepcionada com você! Faça o favor de retirar essa decoração do berço de meu nenê e colocar uma azul! Pode me mandar a foto que eu verei assim que sair da UPA, que é pra onde eu vou se minha pressão subir um pouco mais.”
Dona Helena fez questão de ouvir as mensagens que havia enviado para ver se tinha dito “tintim por tintim” e deixado tudo em “pratos limpos”.
Um pouco depois chegou uma mensagem de sua nora. 
Do outro lado da cidade, voltando da compra do berço, estavam o filho e a nora. Ele com o celular em modo silencioso no bolso e ela, “zapeando” com o aparelho. Após colocar o aparelho no ouvido, daquela forma que a gente faz para ouvir mensagens, desandou a rir. 
O marido perguntava qual era a piada mas, ela simplesmente não conseguia parar de rir para responder. 
Voltando a Dona Helena, ela ficou bem mais tranquila quando ouviu a resposta da nora. 
“ Pode ficar em paz, Dona Helena, que seu filho é destrambelhado mas eu não sou (risos). Essa foto que mandamos pra senhora é do mostruário da loja. Não se preocupe que, com seu netinho, está tudo azul”.
Dona Helena respirou aliviada. Agora o destrambelhado do seu filho tinha alguém mais lúcido e sensato ao seu lado.

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