Tinha eu, na época, apenas quinze anos e, admito que nunca em toda minha vida tinha necessitado dormir sozinho em casa.
Mas aconteceu que, meus pais resolveram passar uma noite em um motel para comemorar suas bodas de sei lá o que, e na falta de quem ficasse em casa comigo, fiquei sozinho.
Minha mãe mostrou a preocupação comum de todas as mães, me fazendo mil recomendações e quase desistindo da saída já a muito programada.
Já meu pai, ansioso por uma noite livre de minha pessoa e, tenho certeza, muito a fim do programinha diferente, resolveu me incentivar daquele jeito bem Brucutu e masculino:
- Você é homem ou é um bago de jaca? Com sua idade eu não só ficava em casa sem meus pais como tomava conta dos seus oito tios!
Para não estragar a saída de minha mãe, não dar esse prazer de me sacanear a meu pai e, principalmente, na expectativa de ter ao menos uma noite, a casa todinha só para mim, aceitei de bom grado a situação.
Pensei em organizar uma festinha, mas a ideia foi imediatamente reprimida pelos dois. Impressionante como, quando é contra mim, eles são unidos!
Por volta das vinte e uma horas, meus coroas foram para suas bodas e eu, que já havia comprado pipoca, refrigerante, encomendado uma pizza e alugado três filmes (a gente fazia isso na época), me joguei no sofá e comecei aquela que deveria ser uma noite perfeita.
Iniciei minha sessão de cinema em casa com o primeiro filme de terror, dos três que tinha retirado na locadora e, logo percebi o quanto esta idéia tinha sido ruim: a casa, que sempre me parecera grande e barulhenta, de repente havia se tornado imensa, silenciosa e sinistra.
A cada susto que eu tomava por causa do filme, tinha um outro que eu tomava por causa de um barulho vindo da cozinha.
Roc,roc,roc...
- Devem ser meus nervos me pregando peças – pensei.
Afinal, se só tinha eu em casa, como algo poderia estar fazendo barulho?
Sentia àquela altura uma vontade insuportável de ir ao banheiro, mas o roc,roc,roc continuava, o assassino do filme não parava de me dar sustos e, para completar a situação, nosso papagaio, o Romerito, desandou a gritar:
- Currupaco! Sai daqui! Currupaco! Sai daqui!
Confesso que fiquei petrificado quando ouvi isso.
Seria um ladrão? Ou uma assombração?
Apertei a pausa no filme, peguei o jarro de flores de minha mãe e fui pisando devagar e sem barulho até a cozinha.
Acendi a luz e entrei velozmente gritando: “corra, que eu estou armado”!
Nada nem ninguém na cozinha, a não ser o Romerito em seu poleiro, todo arrepiado e silencioso.
Voltei para a sala rindo de minhas próprias alucinações.
Mas, foi justamente no momento em que Freddy Krueger apareceu para matar a mocinha indefesa, que uma panela caiu na cozinha. E eu caí do sofá.
Peguei a vassoura que já tinha trazido na minha ida anterior a cozinha e entrei pronto para arrebentar a cabeça de alguém.
Mas, mais uma vez, apenas Romerito se encontrava no recinto a gritar:
- Currupaco! Sai daqui! Currupaco! Sai daqui!
A panela estava no chão e nem uma viva alma.
Rezei três Pai Nossos e três Ave-Marias, e pensei em ligar para os meus pais, mas o orgulho masculino não permitiu.
Deixei a luz acesa, por garantia, e espalhei alguns dentes de alho pelo chão.
Coragem para descobrir o que aconteceu com a mocinha e com Freddy, não tive mais. Coloquei na Tv e comecei a assistir um filme de ação, para descontrair a cabeça e acalmar os nervos.
Nada aconteceu durante um período bom de tempo. Mais relaxado, voltei à cozinha, bebi um copo de água, apaguei a luz e voltei para a sala.
Não passaram nem cinco minutos e Romerito recomeçou sua gritaria macabra e assustadora:
- Currupaco! Sai daqui! Currupaco! Sai daqui!
Aterrorizado, passei a me perguntar porque cargas d’água apaguei a luz da cozinha. Deveria ter deixado acesa!
Subi no sofá, retirei a cruz do altar que minha mãe tinha montado na sala e, devagarzinho, caminhei trêmulo até a cozinha.
Acendi a luz já com os olhos cheios de lágrimas e gritei com a cruz em punho:
- Desconjuro, alma sebosa! Em nome de Jesus Cristo eu te exorcizo! Mangalô pé de pato três vezes e abracadabra!
Romerito gritava eufórico e até a minha sombra na parede me aparentava assustadora e medonha.
A única diferença desta vez para as outras foi que, o roc-roc-roc não havia parado e vinha de debaixo da geladeira.
Me abaixei ainda mais aterrorizado com a cruz, um dente de alho e uma faca na mão (vai que é um ladrão embaixo da geladeira, sei lá) e, o que vi me fez ter um ataque histérico de riso.
Estava eu tão preocupado com o barulho e tão concentrado nos gritos de Romerito que nem parei para prestar atenção na gaiola onde dormia meu rato branco. Esqueci aberta e o danado do Pinucho tinha saído e, muito provavelmente, toda vez que eu apagava a luz, ia perturbar o coitado do papagaio. As brigas entre os dois eram constantes em nosso dia-a-dia.
Numa dessas subidas até o poleiro, deve ter derrubado a panela e o roc-roc-roc era, com certeza, ele roendo as paredes.
Guardei o danado de volta na gaiola e fui curtir meu resto de noite.
Quando meus pais chegaram pela manhã, me encontraram dormindo no sofá e, meu coroa, louco por um motivo para me encher, perguntou:
- E aí? Ficou com medo de dormir sozinho?
- Que nada – respondi – foi tudo uma tranquilidade só.
- Esse é meu filhão – falou, cheio de orgulho – Homem retado e sem medo, igual ao pai!
Sorri um sorriso meio amarelo e preferi não comentar nada.
Mas, filme de terror sozinho, nunca mais em minha vida.
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