sábado, 15 de outubro de 2022

A Cidade das Estátuas

 

Antes de mais nada preciso confessar uma coisa: nunca precisei de pandemia para praticar o isolamento social. 
Tenho noventa e dois anos e, há muito tempo, não saio de casa. Não entendam errado: não tenho limitações físicas e sou mais saudável que a média em minha idade. 
É porque perdi a paciência com as pessoas que me mantenho em casa. 
Prefiro conviver com meus livros e meus gatos. 
Quando preciso comprar alguma coisa, pago um trocado ao Tião Tarefas e ele trás para mim. 
Quando preciso de um médico, vou com meu carro até o consultório do doutor Sérgio Saúde. 
Enfim, não preciso sair de casa para nada. 
Mas, ontem, resolvi dar uma chance para a humanidade e saí para caminhar e interagir com os outros habitantes do planeta e, o que vi, foi aterrorizante. 
Assim que passei pelo portão, percebi que algo estava errado com as pessoas. 
Primeiro foi o vizinho, Carlos Carrancudo. 
Passei por ele e o cumprimentei. O sujeito estava estático, parado e imóvel, olhando para o seu telefone celular, enquanto sorria. 
De repente, assim do nada, ele guardou o aparelho e começou a andar como se nada houvesse acontecido de estranho. 
- Deve estar variando, o coitado – pensei. 
Caminhei mais um pouco e passei em frente a casa de Vânia Vaidosa. 
Coloquei a cara na janela e, pasmem, lá estava outra cena esquisita: a moça estava sorrindo, de frente a um espelho, estática, a olhar para o telefone. 
Repentinamente, tal qual o Carrancudo, começou a se mover como se tudo estivesse normal. 
Eu já estava começando a ficar assustado. 
Caminhei até a praça e parei na faixa de pedestres. 
Um carro vermelho, com o chassi todo rebaixado e um som insuportavelmente alto vinha em uma velocidade até que moderada. O motorista, ao me ver, parou e sinalizou para que eu atravessasse a rua. 
Quando olhei para ele com a intenção de agradecer, eis que lá estava o dito cujo, parado, sem sequer piscar o olho, sorrindo e olhando para o telefone. 
Então, subitamente, olhou para mim e seguiu sua viagem, como se nada houvesse se passado. 
Já na praça, sentei-me em um banco para descansar e, observar as pessoas em seu vai e vem cotidiano para que, talvez assim, voltasse a ter um pouco de simpatia por elas. 
Mas, longe de inspirar simpatia, o que vi me inspirou foi temor. 
As pessoas vinham andando, paravam, olhavam para o telefone, sorriam , congelavam e, logo depois, em um rompante de energia, voltavam a caminhar. 
- Será que a Skynet do filme Exterminador do Futuro havia virado uma realidade? Estariam as pessoas sendo substituídas por máquinas pré-programadas para recarregar de vez em quando e, logo depois, voltar a funcionar normalmente e estavam sendo controladas pelo telefone? – murmurei assustado e com vontade de voltar para casa. 
Um casal, saudável e jovem, vestidos em trajes esportivos, se aproximou correndo. 
- Pelo menos, ainda existem as pessoas normais praticando exercícios – pensei, um pouco mais aliviado e menos temeroso – Ainda existem seres humanos livres na Terra. 
Mas, repentinamente, eis que ambos pararam ao mesmo tempo, tiraram seus respectivos telefones dos bolsos e, pararam imóveis a sorrir e olhar para o aparelho. 
Depois, como se tudo estivesse normal, continuaram a correr. 
Decidi que iria voltar para casa, estocar água e alimentos, fazer uma barricada na porta e desaposentar minha velha espingarda. Se eu tivesse que ser substituído por alguma máquina, não seria sem luta!
Caminhei apavorado de volta à minha residência. 
Foi neste momento que, surgido sei lá de onde, o Tião Tarefas veio em minha direção. 
- “Seu” Otávio! Que milagre o senhor aqui na rua! Precisamos registrar esse momento...
E, dito isto, tirou o telefone do bolso, sorriu, apontou a tela da máquina diabólica em nossa direção e ficou congelado a olhar para a tela, que reproduzia nossa imagem. 
Uma luz sinistra piscou e, mais uma vez do nada, o homem começou a se mover normalmente. 
Meio cego pela luz e, em completo pânico, corri com uma vitalidade que nem mesmo eu imaginava que ainda tivesse em direção à minha casa. 
Agora aqui estou, escondido atrás do sofá, com minha velha espingarda na mão, tentando me proteger, enquanto lá de fora, o Tião gritava entre diabólicas risadas:
- Foi só uma selfie, seu Otávio! Não faz mal nenhum!
Eu é que não vou arriscar e, a partir de hoje, só saio de casa armado e apenas para comprar alimentos e remédios. 
Creio que sou o último homem normal da Terra.

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