Ontem eu não fui trabalhar.
Nem fui pra faculdade.
Ontem eu resolvi andar.
Mas, não andar como faço todos os dias. Não mesmo.
Resolvi andar devagar e aproveitar para olhar as coisas ao meu redor.
Saí de casa e, logo de cara, encontrei um amigo que não via há mais de dez anos.
- Bom dia, Onofre! – falei entusiasmado – Há quanto tempo não te vejo!
O amigo, meio desconcertado, apenas respondeu:
- Na verdade, você passa por mim todos os dias mas, tão apressado que nem me vê.
Constrangido, me desculpei.
- É a correria.
E, com a promessa de que iria prestar mais atenção quando saísse de casa, me despedi.
E, por falar em prestar atenção, percebi o quanto minha rua havia mudado!
Tinha uma delicatessen que eu nunca tinha visto antes, um açougue enorme e uma bela casa pintada de rosa e adornada por um lindo jardim de violetas.
- Como construíram isso em tão pouco tempo? – murmurei baixinho.
Não tão baixinho pois, uma velha senhora que estava ao meu lado, comentou:
- Já está tudo aí há mais de um ano.
Olhei-a surpreso.
E mais surpreso ainda fiquei quando percebi que a velhinha era familiar.
- Dona Clotilde! É a senhora? Não te vejo há anos...
- Pois todos os dias eu estou aqui, caminhando, por esta mesma calçada.
- E como pode eu não ter visto a senhora por tanto tempo?
- Você passa tão apressado que nem percebe que estou aqui.
Mais uma vez pedi desculpas e prometi prestar atenção quando passasse.
E assim transcorreu uma boa parte da manhã.
Naquele dia em que não trabalhei e, simplesmente fui andar, reencontrei várias pessoas que não via há muitos anos porém, todas diziam estar dia após dia, naqueles mesmos lugares.
Voltei para casa, em parte feliz por ter tido tão agradáveis e surpreendentes reencontros e por ter descoberto tanta coisa legal em meu bairro, que nunca tinha notado antes e, em parte, pensativo por perceber o quanto minha rotina de ganhar tempo me fazia perder tempo.
Sentado em um banquinho em frente de minha residência, estava um rapazote, que aparentava uns quinze anos, entretido com um aparelho celular.
Tão feliz estava eu que, alegremente, cumprimentei o jovem.
- Bom dia, amiguinho!
- Bom dia, pai – respondeu o rapaz, sem tirar os olhos do telefone.
Neste momento, “a ficha caiu” e meu mundo desabou.
Um pequeno fio de lágrima escapou de meu olho, enquanto eu percebia que, todos os dias em que eu saia apressado, preocupado e interessado apenas em ganhar a vida, esta mesma vida passava por mim e eu não percebia.
Meu filho, minha pequena criança havia se tornado adolescente e eu nem vi isso acontecer.
Ontem, eu não fui trabalhar. Nem fui pra faculdade.
Hoje eu fui trabalhar.
Hoje eu fui para a faculdade.
Mas, hoje eu não corri.
Hoje eu beijei minha esposa, falei com meu filho, cumprimentei todos os Onofres e Clotildes que encontrei pelo caminho e me senti mais vivo.
Ontem eu fui caminhar.
Hoje, voltei a viver.
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