sexta-feira, 14 de outubro de 2022

A Desavença



Lucrécia e Pirineu estavam brigados até ontem a tarde. 
O motivo? O nome da terceira criança fruto do casamento dos dois. 
Mas, se a criança nem nasceu, como pode ter causado uma briga?
Não sou muito de falar da vida alheia mas, como vocês estão insistindo, só dessa vez vou contar. 
Mas, preste atenção que só vou contar uma vez porque, eu odeio fofoca. 
Pirineu é farmacêutico, daqueles viciados em trabalho, sabe?
E tal era a devoção pela profissão que, quando Lucrécia engravidou pela primeira vez, fugindo do combinado, Pirineu ao invés de batizar o menino como João Carlos, o registrou no cartório como João Tartarato.  
Lucrécia, em vão, tentou mudar o nome da criança para “alguma coisa normal” mas, não conseguiu. 
O casal ficou dois meses separado por causa disso porém, Pirineu dizia que nunca havia se arrependido pois, seu filho tinha nome de remédio importante que “ajudava a curar as pessoas de uma nefasta doença prejudicial à visão”. Porém, com o tempo, Lucrécia perdoou o desatino do marido e o casal voltou a Santa Paz de Deus. 
Dois anos depois, eis que Lucrécia deu a luz a uma menina linda porém, de parto complicado. Como a esposa estava incapacitada, Pirineu saiu para registrar Ana Carolina. 
Ao voltar, já foi arrumando a mochila e ligando para um hotel. 
Quando questionado por Lucrécia, ele simplesmente entregou a certidão de nascimento e saiu. 
Lá, para desespero de Lucrécia, estava escrito: Ana Hidralazina. 
- É um ótimo medicamento para regular a pressão – murmurou, antes de se desviar de uma bandeja atirada pela já hipertensa Lucrécia. 
Foi a gota d’água! 
Lucrécia, inconformada, pediu divórcio. 
Ficaram alguns anos afastados e só reataram quando Pirineu prometeu, jurou e fez até promessa para Santa Gemma, a protetora dos farmacêuticos e à Santa Maria dos Remédios, que controlaria sua mania e, caso tivessem mais um rebento, a criança teria um nome normal. 
Mesmo com tratamento médico e promessas para dois santos, Lucrécia ainda desconfiada, não conseguia confiar em Pirineu. 
O homem, aconselhado pelo psiquiatra, trocou até de emprego: saiu da área de farmácia e foi trabalhar em uma loja de conveniências. 
Com o passar do tempo, Pirineu realmente mostrou progresso e até deixou a, agora novamente esposa, esperançosa. 
Reatamento concretizado e, logo uma nova gravidez surgiu. 
Lucrécia passou sete meses em constantes conversas com Pirineu onde, fizeram até terapia de casal. 
Pirineu foi obrigado, inclusive, a assinar um termo onde prometia “não batizar de forma alguma e sob nenhuma circunstância, a criança com nomes de medicamentos, fórmulas, genéricos ou nada do tipo”. 
Sob protestos e afirmando “não haver necessidade de tanta coisa”, Pirineu acabou por assinar o tal termo. 
Passados os nove meses, finalmente nasceu uma linda menininha que , conforme combinado, se chamaria Maria Rita. 
Sob recomendações e pesadas ameaças por parte de Lucrécia, Pirineu saiu para registrar a mais nova herdeira. 
Ao voltar, a esposa desconfiada foi logo perguntando:
- Fez o combinado? Ou inventou o nome de algum remédio para botar na pobre criança. 
Pirineu, com ar meio desconfiado, respondeu:
- Registrei como Maria Rita mas...
- Mas o que, homem de Deus?
- Eu não resisti e acrescentei um negocinho...
- Que negocinho, seu abestado?
- Uma besteirinha de nada...
Lucrécia, arrebatou a certidão da mão de Pirineu e, até que respirou aliviada quando leu o nome com o qual sua filhinha foi batizada:
Maria Rita dos Remédios. 
Em nome da Santa Paz Familiar, Lucrécia resolveu não mais brigar com o marido porém, solicitou ao hospital uma urgente laqueadura. 
- É isso, enlouquecer ou esganar meu marido...

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Felicitações

A primeira mensagem chegou antes das sete da manhã.  - Felicidades, minha amiga! Que dure para sempre! Como a Almerinda sempre foi meio desc...