sábado, 15 de outubro de 2022

A Emergência



Estava eu, numa sexta de madrugada, tirando meu merecido sono quando, não mais que de repente, fui despertado com gritos que mais pareciam almas sendo torturadas no inferno. 
Levantei assustado e, após me certificar que não estava tendo um pesadelo causado pela feijoada com mocotó que havia comido pouco antes de dormir, constatei que os berros apavorantes vinham da casa da vizinha. 
Eu não conseguia entender e nem definir o que estava sendo gritado mas, podia perceber com clareza que se tratavam de gritos de angústia e sofrimento. 
Pensei em sair para acudir a pobre vizinha mas, como não dava para saber se os gritos eram de dor ou de desespero, achei por bem acionar quem entendesse do assunto 
Liguei para a SAMU e, após angustiantes vinte e cinco minutos de espera onde, os gritos não cessavam e se tornavam ainda mais desesperadores, finalmente alguém me atendeu. 
- Acho que tem alguém morrendo aqui do lado!
Após responder a uma série de perguntas, o atendente finalmente enviou uma ambulância para o endereço da tortura. 
É, porém, mas, todavia, enquanto aguardava ansioso pelo fim daquele som macabro, aterrorizante, traumático e desesperador, apurando os ouvidos finalmente consegui entender algumas palavras e, posso jurar que ouvi a seguinte ameaça:
- Peraê, peraê, eu vou matar você!
O nível de sadismo e perversidade era tão grande que, deu-me a impressão de que a pessoa expressava prazer na voz, ao gritar aquelas palavras terríveis. 
E tudo era embalado com um fundo musical instrumental. 
Aí a coisa já mudava de figura!
Não se tratava mais de alguém passando mal e sim, de um crime em andamento. 
Imediatamente liguei para a polícia!
- Quero denunciar uma tentativa de assassinato!
Não demorou muito e a primeira sirene se fez ouvir: era a ambulância da SAMU. 
Saí para orientar os enfermeiros e, logo pude ver a chegada da polícia também. 
- Parece ser um caso de tortura – comentou o motorista da SAMU. 
- Aparenta ser um caso de assassinato com tortura – refletiu o sargento de polícia. 
Como nem as sirenes, nem as batidas na porta e muito menos a campainha faziam com que alguém saísse da casa ou os gritos parassem, devido à altura da música instrumental, só restou a polícia tomar uma medida extrema: arrombar a porta. 
Dois policiais corpulentos, usando um pesado instrumento de metal, correram em direção à entrada da residência e, com uma pancada forte, puseram abaixo a elegante porta de madeira e entraram na casa. 
Parecia cena de filme: os policiais jogaram bombas de efeito moral na sala do vizinho e entraram com armas em punho e máscaras no rosto; os profissionais da SAMU, entraram logo depois e eu, que estava preocupado com as pessoas lá de dentro, fui atrás. 
Tossindo bastante, o vizinho, sua esposa e duas filhas, a tudo observaram assustados. 
- Mas o que está acontecendo? – gritou o dono da casa. 
Ao perceber que não tinha mais ninguém na residência, fiz uma dedução lógica:
- Não tente negar que estava torturando sua família! – gritei  
Após muita confusão, finalmente tudo foi esclarecido:
- Ninguém está torturando ninguém! Acontece que nós compramos um karaokê e estávamos cantando! – falou chorosa, a vizinha. 
- Mas eu ouvi claramente alguém gritando “ peraê, peraê, eu vou matar você”! – falei desconcertado e meio desconfiado. 
- Era minha filha cantando “balancê, balancê, quero dançar com você”...
O médico fez uma careta, eu ri nervoso e o sargento, falou com voz firme:
- Vocês pagam aula de canto?
- Pagamos – respondeu o vizinho. 
- Então peguem esse cartão. Meu primo é advogado...
- Para processar o vizinho enxerido? – perguntou a esposa, olhando para mim com a cara ainda mais feia que o normal. 
- Não – respondeu o sargento – Para processar seu professor de música e pegar seu dinheiro de volta porque, vai cantar mal assim no inferno!
Em tempo: os vizinhos não falam mais comigo e tive que pagar o conserto da porta mas, pelo menos a partir desta noite, eles pararam de usar o maldito karaokê e eu, de cidadão preocupado, virei herói de toda a vizinhança.

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