quarta-feira, 12 de outubro de 2022

A Fantasia


Fui convidado para uma festa a fantasia!
Como grande fã de Maurício de Souza e suas criações, e precisando de uma fantasia que não saísse muito cara e eu pudesse, quem sabe, economizar e fazer em casa, decidi que iria vestido de Dona Morte. 
Sem querer me gabar, posso afirmar que caprichei. 
Dona Zulema, a vizinha costureira, fez o traje igualzinho. 
Consegui comprar a máscara e no dia da festa, após me trajar, quando olhei no espelho, confesso que cheguei até a me assustar tamanha era a perfeição. Eu iria arrasar e, sem sombra de dúvidas, ganharia o prêmio de melhor fantasia da festa. 
Saí de casa com a intenção de me dirigir até o ponto de ônibus. 
Logo na saída, ouvi um grito aterrorizante e ouvi um tombo. 
Era Dona Maricota que, ao me ver alí trajado daquele jeito, com direito a foice e tudo, soltou um berro e, em seguida, desmaiou. 
- Vade retro, Satanás – gritou Tião, o filho de Maricota, fazendo sinal da cruz com os dedos. 
- Larga de idiotice, moleque que nem sou Satanás e nem ele ia ter medo de seus dedos! Me ajuda a socorrer sua mãe. 
- Já vi de tudo nessa vida – falou coçando a cabeça – menos a morte querendo salvar a vida de alguém que ela mesmo matou. 
Já sem muita paciência, preocupado com a velha e não querendo me atrasar, tirei a máscara e expliquei que estava indo à uma festa. 
Chateado, furioso e me ameaçando de processo por quase ter matado a mãe dele, Tião veio me ajudar e reanimamos a pobre senhora. 
Após este infeliz e aleatório incidente, segui meu caminho rumo à festa. 
Cheguei no ponto de ônibus e lá se encontravam uma jovem e um rapaz. 
A jovem, como todas as jovens de hoje em dia, estava com toda sua atenção voltada para o celular e o rapaz, como todos os rapazes da história da humanidade, estava concentrado nas curvas da moça. 
Tão concentrados estavam que nem me viram chegar. 
Com toda a educação que Dona Pita Alves, minha mãezinha querida me deu, os cumprimentei ao chegar. 
- Boa noite!
O rapaz, meio contrariado por ter sido distraído do seu momento de reflexão sobre a anatomia feminina, se virou para responder. 
Porém, quando me viu, mudou de cor e com um grito de “Jesus Cristo”, desabou a correr. A moça, com a atenção atraída pela reação do rapaz, me olhou e começou a chorar. 
Foi quando o ônibus chegou e, para não piorar a situação que já estava complicada, saí do lugar pouco iluminando em que me encontrava e entrei rapidamente no ônibus. 
O motorista, quando me viu, botou a mão no peito e gritou:
- Aí, meu coração! É hoje que infarto!
O cobrador desmaiou e, os passageiros saíram quebrando as janelas e pulando do veículo, disparados a correr. 
Um cara me jogou o celular e o outro, ajoelhado gritava:
- Me poupe que eu juro nunca mais trair minha mulher e nem botar purgante no café de minha sogra!
Antes que percebessem que eu estava fantasiado e resolvessem me linchar, desci do ônibus e corri daquele lugar. 
De ônibus estava claro que não daria pra chegar na festa. Pedi então um carro de aplicativo. Uns cinco minutos depois, eis que o veículo se aproximava e eu, para indicar que era o passageiro, acenei para o motorista. Grande erro de minha parte. 
O homem quando me viu ali naquela estrada deserta, empalideceu e aos gritos de “ me salva, meu Senhor do Bonfim”, acelerou o carro e me deixou a comer poeira. 
“Realmente minha fantasia deve estar perfeita” – pensei. 
Resolvi ir andando mesmo, o que se mostrou um erro terrível. 
As pessoas corriam, gritavam, me chamavam de covid, me jogavam pedras, desmaiavam, caíam, se ajoelhavam e, alguns mais corajosos, me atacavam. Depois de me livrar de um grupo de evangélicos que, após me atirarem suas Bíblias, resolveram correr para minha direção com uns porretes que nem quero saber onde arranjaram, resolvi pedir um carro de aplicativo novamente. Mas, desta vez, através de mensagens, expliquei toda a situação de minha fantasia. 
O motorista, muito bem humorado, quase infarta quando me viu mas, desta vez, de rir. 
Quando finalmente cheguei ao local da festa, resolvi tirar pelo menos a máscara, para evitar ainda mais confusão. 
Quando entrei, vendo aquele clima bom, muita bebida, comida, boa música e mulheres bonitas, me empolguei e gritei:
- Acaba não mundão, que eu hoje vou me esbaldar nessa festa!
O diabo foi que, por uma infeliz coincidência, a música parou justamente quando gritei essa frase. Quando todos olharam para mim, mesmo sem a máscara, tudo aconteceu novamente: gritos, orações, correria, desmaios, juras de arrependimentos e até declarações de amor platônicos. 
As pessoas se atropelavam na porta da saída, pulavam as janelas, se escondiam embaixo das mesas...
Um cara fantasiado de padre me jogou cerveja, creio que achando ser água benta, e começou a chorar e gritar que deveria ter saído do armário enquanto estava vivo. 
Não sei se elogiava ou xingava a perfeição que Dona Zulema tinha dado àquele traje. 
Mas o pior de tudo, o pior mesmo, foi ouvir Nestor, o gozador, gritar ao olhar diretamente para minha cara e, claramente me reconhecer:
- Valha-me Deus! Nunca pensei que a morte fosse tão feia!
E caiu na gargalhada.

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