Pior foi no dia em que Rogerio foi à igreja.
Pense em uma confusão: o rapaz ouvia mal, enxergava quase nada e possuía sérios problemas mentais, embora nunca diagnosticados, mas comprovados neste dia.
Logo na entrada Elenildo, um sisudo beato, estranhou a presença de Rogerio alí afinal, o rapaz não era frequentador de missas. Aliás, desde que Elenildo era coroinha, e isso tinha muito tempo, nunca tinha visto aquele cidadão sequer pisar nas redondezas da igreja.
E, para completar, chegou acompanhado por Ernesto que, de boa pessoa e fervoroso cristão nunca teve nada.
Aliás, era um conhecido malandro da cidade, isso sim.
Pior ainda foi a frase que Elenildo ouviu Ernesto dizer a Rogerio, um pouco antes de entrarem:
- Não se preocupe, já entreguei os ingressos na bilheteria.
Estranho era, mas o coroinha não tinha nada com isso e, portanto, nada perguntou. Cada um que cuidasse de sua própria vida.
Mas, por mais que não fosse lá esse poço de curiosidade, Elenildo resolveu ficar por perto para saber do que se tratava aquela situação.
Sentou atrás dos dois homens e ficou a escutar, até mais a eles, do que a fervorosa e emocionada oratória de padre Chico.
- Não tinha um lugar mais próximo? – perguntou Rogerio, apertando os olhos para tentar enxergar melhor – Não estou vendo direito.
- Pelo dinheiro que você pagou, não tinha como conseguir um lugar melhor. Eu te disse que melhores lugares custam mais caro.
O padre começou a missa com o tradicional boa noite e um pedido de oração, onde todos ficaram de pé.
- Já aconteceu? – perguntou o quase cego Rogerio.
- Não, mas foi quase.
- Ah, porque me disseram que, quando está para acontecer, todos ficam de pé. Quando acontecer você me avisa para ninguém perceber que não estou enxergando e nem ouvindo direito.
A missa foi transcorrendo e, cada vez que todos ficavam de pé para orar, o quase surdo rapaz fazia a mesma pergunta e ouvia a mesma resposta.
- Será que hoje não vai acontecer?
Chegou então o momento de todos se levantarem para receber das mãos do padre, a Hóstia Sagrada e, após perguntar algo a Ernesto, que o coroinha Elenildo não conseguiu escutar o que era, Rogerio levantou-se e entrou na fila.
Quando chegou sua vez, Rogerio apertou os olhos para tentar enxergar o padre, e falou:
- Eu quero uma cerveja bem gelada, por favor.
Padre Chico, por já saber dos possíveis problemas psicológicos do homem à sua frente, ignorou aquela heresia e, enfiou uma Hóstia em sua boca.
- Obrigado pelo aperitivo que, pelo tamanho, deve ser amostra grátis – falou o quase cego homem – Agora o senhor pode me dar a cerveja? Vou pagar em dinheiro mesmo.
- Aqui não temos cerveja, meu senhor – explicou pacientemente o Padre.
- E que dia começou a lei seca que não fiquei sabendo?
- Desde sempre, meu senhor – respondeu o ainda calmo Padre.
- Quer dizer, quando assistimos na TV, vocês fazem propaganda de cerveja agora, quando vamos comprar vocês dizem que não vendem! E outra coisa: para que me deu esse aperitivo se não posso tomar uma cervejinha para ajudar a descer?
- Amigo – falou o já chateado Padre – Jesus não permite esse tipo de comportamento aqui.
- Jesus? E eu por acaso estou na concentração do Flamengo?
- Se o senhor não voltar para seu lugar agora e parar de gracinhas, vou ser obrigado a pedir que se retire do recinto.
- Mas não vou me retirar mesmo! Paguei caro para estar aqui e daqui ninguém me tira!
E o bicho era chegado a um escândalo quando achava que estava certo.
Gritou, exigiu falar com o administrador, pediu o dinheiro de volta e ameaçou quebrar a cara do primeiro que ele “enxergasse” tentando tirá-lo dali, porque homem ele também era e, para um homem, outro.
Padre Chico então perdeu de vez a paciência e gritou a plenos pulmões:
- Saia deste recinto sagrado em nome de Jesus! O senhor está expulso daqui a partir deste momento!
Rogerio então, para surpresa do Padre, tirou os sapatos e passou a sola do pé no chão, com a cara de quem estava muito confuso.
- Oxe, no gramado eu não estou... será que me trouxeram para o banco de reservas? Porque só assim para o juiz estar me expulsando.
Vendo a confusão, o malandro Ernesto foi saindo de fininho da igreja.
Então o coroinha, Elenildo foi atrás dele e, do lado de fora o alcançou e perguntou o porquê daquela confusão e o que ele tinha aprontado desta vez, envolvendo o pobre homem quase cego, surdo e louco.
- Não conte a ninguém – falou tentando esconder uma risada – Eu disse que tinha ingresso para um jogo do time da capital aqui em nossa cidadezinha e, vendi a ele por uma boa grana.
- E o que isso tem a ver com a Santa Missa?
- Acontece que o jogo foi cancelado e eu já tinha gasto o dinheiro. Aí como ele não ouve bem, não enxerga e direito e é meio sem noção das coisas, trouxe ela para a igreja dizendo que era o estádio...
Enquanto isso, Rogerio gritava dentro da igreja, exigindo seu dinheiro de volta e dizendo que, era por isso que ninguém prestigiava os jogos do time medíocre daquela cidade pequena e perdida no fim do mundo, onde as pessoas ficam de pé sem nem um gol ter acontecido.
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