sexta-feira, 7 de outubro de 2022

O Jornal

 
Vocês conhecem o Carlos Alberto que fica sentado no banco da praça, tentando ler um jornal, em um conhecido programa humorístico de tv? 
Pois é, Ranulfo não é tão famoso quanto Carlos Alberto mas, compartilha do mesmo hábito, de ir a noite para a pracinha da cidade ler seu jornal.  
A diferença, além da fama, é que Ranulfo não gosta de companhia ou conversa neste momento que, para ele é sagrado e reservado.  
Por isso não apreciou muito quando aquele senhor bem vestido sentou-se ao seu lado e o cumprimentou, naquela noite que prometia ser tranquila.  
Ranulfo olhou ao redor e observou que todos os bancos da praça que se encontrava quase deserta, estavam vazios.  
Respondeu com um resmungo ao boa noite do homem e virou de lado para continuar sua leitura.  
- Essas matérias que tentam prever o tempo, são a maior furada – comentou o homem – Nunca acertam. Ontem mesmo disseram que hoje ia chover o dia todo e não caiu uma gota. Mas foi bom porque o povo ficou em casa, com medo da chuva, e a praça está tranquila.  
Ranulfo não respondeu porém, ficou incomodado com a impertinência daquele homem a olhar o jornal por cima de seu ombro.  
Trocou propositalmente de página, apenas para que o homem não continuasse a ler.  
Não adiantou.  
- Esse país é assim: branco quando rouba é cleptomaníaco. Se fosse um pobre, negro e favelado, dizia que era cria do tráfico. Não concorda? 
- Sim – respondeu de forma seca e agressiva, Ranulfo.  
- Olha essa matéria aqui embaixo – falou apontando com o dedo – Quer dizer, o safado do político desvia dinheiro e depois não é preso porque tem imunidade diplomática. Isso é um absurdo! Roubou tem que pagar, independente de que cargo ocupe.  
- O senhor quer a página para ler? – perguntou Ranulfo, já sem muita paciência e claramente incomodado.  
- Não, obrigado. Estou bem assim e não quero incomodar o senhor.  
- Agradeço a compreensão – respondeu Ranulfo em tom de ironia.  
- Olha essa notícia de esporte... O senhor pode voltar a página, por favor? Olha isso: um jovem que mal saiu das fraldas foi contratado por uma fortuna pelo time da capital paulista. Não entendo como deixam, em um país tão carente, tanto dinheiro ser gasto desse jeito. Depois não sabem porque os clubes daqui só andam endividados.  
Ranulfo já estava a ponto de esganar aquele homem inconveniente. Mas, como a educação e a polícia não permitiam, resolveu não trocar de página para ver se o cidadão se cansava e ia embora.  
Novamente não funcionou.  
- Olha isso: um cantorzinho desses recebe disco de platina. Umas porcarias que só cantam besteira, hoje em dia vendem feito água.  
Ranulfo, apesar de concordar com a observação do estranho, já estava com o saco transbordando. Sendo assim, sem nenhum pudor, vergonha ou delicadeza, virou o corpo de lado, escondendo assim o conteúdo do jornal da visão do homem.  
- Olha só essa matéria de capa: os bancos tiveram aumento de lucros exorbitantes. Claro! Do jeito que nos roubam com tantas taxas, só podiam estar tendo altos lucros mesmo! O senhor não concorda? 
Ranulfo abaixou o jornal, respirou fundo, tirou os óculos, encarou longamente o homem e, finalmente falou: 
- Amigo, você é claramente um homem inteligente, culto e não me parece alguém que não tenha dinheiro para comprar um jornal. Então, lhe pergunto: porque você não compra seu próprio jornal e para de me importunar já que, acho ter deixado bem claro, não querer companhia? 
- Ah, não preciso comprar não: sou o dono da banca de jornais aqui da praça. Mas, já que tocou no assunto, o senhor não acha que o preço dos jornais estão muito altos? E olha que matéria besta essa que apareceu quando você dobrou o jornal: “ homem agride outro que o importunava em restaurante. Mundo cão esse onde as pessoas não se tocam quando estão incomodando as outras, não é mesmo? 
Ranulfo então, sem mais o que dizer ou fazer, simplesmente levantou-se e foi embora. Mas, enquanto andava, ainda ouviu o homem falando: 
- Foi um prazer! Espero que o senhor volte novamente amanhã para conversarmos mais um pouco!

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