terça-feira, 11 de outubro de 2022

A Rifa


Estavam lá os cinquenta números em branco. 
A rifa de Ritinha Rifeira desta vez vinha com um prêmio tentador: uma caixa de cerveja em latas, um perfume de marca, uma caixa de bombom, uma garrafa de whisky e dois ingressos para o samba de Sandoval Sambador, com direito a feijoada!
Mas o dinheiro de Demerval só dava para assinar um bilhete. 
Qual seria a melhor escolha?
Os números 1, 10, 91 e 100, estavam descartados. Nunca saiam os números das pontas da rifa. 
Tinha o 51 que sempre era uma boa ideia mas, estava muito óbvio: ninguém faria uma rifa com o prêmio saindo nessa numeração. 
Tinha o 13. Demerval era supersticioso mas, diferente do grande Zagallo, não acreditava que esse era um número de sorte. Descartou. 
O 66 foi descartado por motivos religiosos: era o número da Besta. 
- O número da Besta é 666 – informou Laércio Lentidão, que aguardava pacientemente Demerval escolher um número para que, ele próprio pudesse escolher o seu. 
Mas isso não importava: 66 ou 666, Besta ou Besta faltando um pedaço, Demerval não iria apostar sua sorte no número do Tinhoso. 
Tinha os anos que a Seleção Canarinho ganhou a Copa do Mundo. 
Mas, futebol por futebol, tinha os abençoados anos em que seu querido Bahêa ganhara o Brasileirão. 
Por outro lado, havia a data de nascimento de Maria Flor, sua digníssima e querida esposa. O aniversário de casamento seria uma boa pedida, se ele lembrasse qual era a data. 
- É para hoje ainda? – perguntava impaciente, Ritinha Rifeira. 
- Calma, que isso aqui é coisa séria e não se decide assim a toa. 
Voltou a pensar. 
Tinha a data de nascimento de Pitoco, seu filho. 
Poderia ser um pouco mais egoísta e escolher a data de seu próprio aniversário.
Ritinha Rifeira batia o pé, impaciente. 
- Na próxima te mostro a rifa por último. 
Demerval ignorou Ritinha e continuou seu raciocínio. 
Que número deu no jogo do bicho ontem? Passou um carro com uma placa que era bem interessante. Qual o “noves-fora” de 8976?
Ritinha perdeu a paciência e saiu para procurar outras pessoas para assinar, começando por Laércio Lentidão que já estava ali. 
- Assina em qualquer número. 
Demerval achou um absurdo aquilo. Como assim qualquer número?
Não se decide algo tão sério assim desse jeito. É preciso raciocínio, planejamento e muitos cálculos. 
Mas, preferiu ficar calado afinal, assim era um concorrente a menos. 
Ritinha rabiscou em um número qualquer da rifa, recebeu o dinheiro de Laércio Lentidão e saiu andando para conseguir enfim, preencher a bendita. Era ela andando e Demerval atrás a fazer cálculos. 
- Se eu somar o aniversário de Maria com o bi do Bahêa, multiplicar pelo aniversário de Pitoco, diminuir pelo meu aniversário e dividir pelo “noves-fora” da placa do carro...
E nisso, Ritinha ia vendendo os bilhetes. 
- A soma do cacete da hipotenusa, multiplicada pela fórmula de máscara, reduzida pela ressonância magnética ao triângulo da rebinboca da parafuseta, leva ao cubo do diâmetro de uma lata de cerveja...
E foi nesta toada por quase vinte minutos, entrando em ruas, saindo em becos e subindo e descendo ladeiras atrás de Ritinha Rifeira. 
- Já resolveu? Só tenho três bilhetes agora – informou impaciente a mulher que já não aguentava mais aquele sujeito andando atrás dela a fazer contas e não falar coisa com coisa. 
- Pelos meus cálculos – começou como se Albert Einstein tivesse incorporado nele – as probabilidades apontam para o número 35. 
- Já assinaram. 
- Ou 48. 
- Já assinaram. 
- A última opção é 79. 
- Já assinaram. Só sobraram 28, 55 e 88. 
Meio que decepcionado, Demerval resolveu optar então pelo 88. 
Era a escolha mais óbvia das três afinal, foi o ano do Bi do Bahêa!
Assinou, beijou o dinheiro, fez o sinal da cruz, pulou três vezes só com o pé direito e pagou Ritinha Rifeira. 
- Maluco – resmungou, enquanto procurava vender os dois últimos bilhetes, com Demerval, ansioso, a acompanhando. 
Os dois números que restavam foram vendidos e Ritinha Rifeira começou a retirar o lacre para saber quem era o ganhador. 
Demerval suava feito cuscuz, tremia feito vara verde e até tinha lágrimas nos olhos. Estava tenso. 
Ritinha Rifeira olhou o número sorteado e falou:
- Hum rum. 
- Como assim “hum rum”? “Hum rum” de eu ganhei ou “hum rum” de eu perdi? Fala antes que eu tenha um infarte na minocárdia e caia duro aqui!
- Você ganhou...
Demerval foi a loucura! Se ajoelhou no meio da rua, cantou o hino do Bahia misturado com o do Senhor do Bonfim e agradeceu a Nossa Senhora da Matemática. 
- Eu sabia que o 88 do glorioso Esporte Clube Bahêa era pé quente e não me deixaria na mão! Bora Bahêa! E Laércio Lentidão, achando que ia ganhar assinando qualquer número aleatórido. Tem que ser muito inteligente igual a mim para fazer as contas e acertar o número que vai dar. Ele não tem tutano – falou batendo com dois dedos na própria testa. 
- Na verdade, deu 05 – informou Ritinha Rifeira, enquanto preparava a próxima rifa.
- Como assim? Você não disse que eu ganhei?
- Ganhou experiência para a próxima. Quem acertou o número da rifa foi Laércio Lentidão, com o número 05. 
Irritado, Demerval lamentou tamanho azar, gritou que nem assim o Bahêa lhe trazia felicidade e jurou nunca mais gastar seu último dinheiro em qualquer tipo de jogo, principalmente de Ritinha Rifeira que havia sido tão cruel ao lhe dar falsas esperanças daquele jeito. 
Ritinha Rifeira, que não ligava para o que Demerval dizia, somente comentou, mostrando outra rifa:
- Essa tem os mesmos prêmios. Vai querer tentar a sorte?
Demerval coçou a cabeça, pensou e, enfim perguntou:
- Faz fiado?

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