Onde ocorreu essa não importa muito. Seja em minha cidade, na sua, na de seus pais ou na Terra do Nunca, o roteiro deveria ser sempre este que vou descrever para vocês.
Severino de Assis era uma figura importante da cidade. Ou, pelo menos, se achava importante.
Um belo dia, resolveu sair pelas ruas para rever pessoas que não via já a alguns anos afinal, sempre é momento de rever os amigos.
Primeiro visitou o velho Humbertino. Chegou na porta da casa humilde e bateu palmas, como diz a etiqueta de toda cidade do interior.
O idoso colocou a cara na janela e gritou como se Severino estivesse a quilômetros de distância:
- Que é?
- Oi, Humbertino! Sou eu, o Severino de Assis!
- Queeeem?
- O Severino...
- Conheço não! Passar bem – e bateu a janela.
Por mais que o confuso Severino chamasse, não se ouvia mais nenhum som vindo de dentro da casa, além de palavrões impublicáveis.
- Deve estar caducando, o pobre Humbertino – pensou.
Continuou então sua peregrinação até a casa de outro amigo, o Derivaldo Boca-Torta que, morava não muito distante.
Mais uma vez bateu palmas e, abrindo a porta com um balde cheio de água na mão, Derivaldo deu-lhe um banho digno de um participante da extinta Banheira do Gugu.
- Eu avisei que se viesse mais alguém aqui perguntar se tenho tempo para ouvir a palavra de Jeová, eu iria dar um banho! E aí está! Sou homem de uma palavra só...
- Mas Derivaldo, eu só vim te fazer uma visita!
- E quem é você mesmo? – perguntou fazendo força nos olhos para enxergar.
- Sou o Severino de Assis, seu amigo.
- Conheço não! E bem feito pelo banho – falou batendo a porta.
- Será que está tendo um surto de caduquice aqui, meu Deus?
Mesmo ensopado, resolveu continuar caminhando até a casa de Leopoldina, senhora simpática que, com certeza, lhe ofereceria alguma bebida quente para que não se resfriasse, quando o visse todo molhado daquele jeito.
Mais uma vez bateu palmas e, novamente foi surpreendido pelo que aconteceu em seguida: Leopoldina abriu a porta, o olhou e disse a plenos pulmões:
- Vai-te de volta para o inferno Satanás!
Bateu a porta e fechou as janelas e cortinas.
Severino já estava assustado com aquela loucura coletiva e, por via das dúvidas, resolveu não ir na casa de Rosildo pois, além de idoso e, portanto, possível vítima deste vírus que estava causando loucura nas pessoas, ainda tinha sempre ao lado uma espingarda de dois tiros que, vai saber se não iria acabar usando. Por prudência, resolveu ir na casa de Maria Rita pois ela, além de não ser idosa, não andava armada.
Ao chegar lá, mais uma vez bateu palmas. Maria Rita saiu com seu habitual sorriso faltando um dente. Sorriso este que, foi se fechando à medida em que ela reconhecia quem estava alí a chamar.
- Bom dia, Maria Rita! Sou eu, o Severino...
- Vai-te embora de minha porta, seu galo de macumba! Vou cuspir no chão e, se quando o cuspe secar, você ainda estiver aí vou soltar o Tufão em cima de você!
Tufão era um vira-lata que, em tamanho mais parecia um urso que um cachorro. Pelo bem de sua própria saúde, Severino nem conversou e debandou o mais rápido que pôde daquele terreno.
Passou por, pelo menos, mais umas duas dezenas de casas e, em todas foi recebido de algum jeito bem agressivo e sem sentido.
Soltaram cachorro, jogaram água, lama, tomate e até um boi colocaram para correr atrás do pobre Severino de Assis que, não estava entendendo nada do que acontecia e nem que loucura havia se apossado daquelas pessoas. Cansado, molhado e com as roupas rasgadas, Severino sentou-se à beira de um riacho, tirou os papéis do bolso e ficou a pensar.
Foi quando passaram duas crianças e, uma delas ao olhar para ele pôs-se a correr e chorar como o diabo foge da cruz.
O outro, maiorzinho, começou a xingar o pobre homem que, não se conteve e perguntou:
- Você pode me explicar porque está todo mundo agindo desta forma estranha comigo?
O menino olhou meio desconfiado e perguntou, falando baixinho:
- Se eu contar, o senhor jura que não espalha?
- Juro.
- Então vou contar não.
- Oxe, mas porque se eu acabei de jurar que não conto a ninguém?
- Porque minha mãe disse que não era para a gente se misturar com pessoas iguais ao senhor. Que é para manter distância, ter medo e não acreditar em nada que jure.
- E porque sua mãe falou isso de mim?
- Porque ela disse que o senhor só iria aparecer aqui, todo bem vestido, de quatro em quatro anos com a mão cheia de papéis com seu nome e sua foto, para contar mentiras e pedir votos.
Severino de Assis, envergonhado, escondeu os santinhos de sua recandidatura a vereador no bolso e resolveu que, esperaria a outra eleição, quando todos já tivessem esquecido dele para voltar àquela localidade porque, daquele mato não ia sair coelho, pelo menos nesta eleição.
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