E lá vinham os três primos andando, quase bêbados, pela rua tarde da noite. Nescau, Toninho e Biriba tinham ficado na farra até altas horas e, na falta de dinheiro para pagar uma condução, resolveram que a única forma de chegar em casa era caminhando mesmo.
O problema foi quando chegaram na esquina da Rua das Cuícas, bem perto do Bar do Quinzinho e de frente à Sapataria do Astolfo.
Foi ali e bem ali que ouviram aquele desagradável e incômodo som da sirene de uma viatura de polícia.
Naquela situação e naquele horário, esse era o som mais horripilante que existia no mundo. Pior que Mula Sem Cabeça ou espírito de encruzilhada.
Era melhor encontrar o Saci Pererê ou a Caipora à meia noite, que se deparar com uma viatura em plena três da manhã.
E, como era de se esperar, em sequência ao inconveniente som da sirene, ouviu-se um outro ainda mais desesperador:
- Mão na cabeça, vagabundos!
E lá se foram os três primos, com as mãos nas nucas, de encontro ao muro da casa de seu Melquiades.
- O que as três “bonecas” estão fazendo na rua uma hora dessas? – perguntou um policial da voz cavernosa.
- Estamos indo para casa, seu doutor – respondeu Nescau.
Eram quatro policiais: um gordo de bigode, um magro da cara de fuinha, um baixinho enfezado e um grandão que mais parecia um armário.
Mas, apesar da quantidade, apenas o grandão falava.
- E isso é hora de estar pela rua? Cadê os documentos? Vai descer todo mundo para a delegacia.
Foi então que Biriba, o mais malandro dos três, saiu com esta:
- Com todo respeito, sua autarquia, mas nós somos menores e seria melhor o senhor se acertar com meu pai, que é oficial.
Nisso, a voz do policial até saiu mais baixa:
- Oficial?
- Sim senhor! O meu pai é oficial, o pai do Nescau é procurador e o pai do Toninho é juiz. Tudo autarquia igual aos senhores.
O policial grandão já estava quase liberando os três filhos de autoridades mas, o baixinho enfezado não se convenceu.
- Você tá mentindo não, seu cabra?
- Juro pelo meu Senhor do Bomfim!
- Nesse caso, três pessoas tão ilustres não podem andar por aí sem nenhum tipo de proteção. Nós vamos acompanhar vocês até em casa.
- Carece não – respondeu com um sorriso amarelo, Biriba – somos pessoas humildes e não nos importamos de caminhar...
- E nem cabe todo mundo na viatura – completou Toninho.
- Mas nos insistimos em, pelo menos, escoltar vossas senhorias até suas residências – insistiu o policial baixinho enfezado.
Sem jeito e sem solução, lá foram os três primos andando e a viatura seguindo atrás.
Quando chegaram na casa onde os três primos moravam, Biriba até que tentou se livrar dos policiais, mas sem sucesso:
- Muito agradecido, seus policias. Agora vamos entrar para dormir...
- De forma nenhuma - respondeu o policial da cara de fuinha – estou doido para conhecer as autoridades que geraram tão distintos rapazes afinal, sempre é bom conhecer gente importante porque nunca se sabe quando vamos precisar de favores, não é mesmo?
Sem saída e sem argumentação, lá foram os três primos bater na porta de casa, rezando para que tudo desse certo.
De dentro da residência, saiu um homem sonolento e da cara de cansado.
- Boa noite! O que está acontecendo? – perguntou, enquanto esfregava os olhos inchados e remelados.
- O senhor pode chamar as autoridades responsáveis por estes três rapazes, por favor?
- Bom, o Toninho é meu filho, o Biriba é filho do meu irmão e o Nescau é filho do meu outro irmão. Essas autoridades que o senhor falou, eu não conheço não.
- Mas os distintos rapazes disseram que são filhos de um procurador, um oficial e um juiz...
- Ah, isso é verdade!
- Viu que eu falei – gritou um aliviado, Biriba.
- E os senhores atuam em que comarca? – perguntou o baixinho enfezado que, obviamente, ainda não estava convencido.
- Comarca? Que comarca? Tem comarca nenhuma não, meu senhor.
- Ué, e onde vocês trabalham então?
- Eu sou juiz de futebol, meu irmão é oficial de pedreiro e o outro é procurador...
- Pelo menos um é autoridade então?
- Não. Ele é procurador de emprego.
Mas, furioso mesmo o policial baixinho enfezado ficou quando descobriu que, todos os três primos tinham mais de dezoito anos.
- Vocês não disseram que eram menores?
- E somos – respondeu Biriba – somos menores que vocês. Eu mesmo só tenho um metro e sessenta...
Os policiais riram, o pai de Toninho riu, os três primos riram e foram todos conduzidos para uma aconchegante noite de sono na delegacia.
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