sexta-feira, 14 de outubro de 2022

O Passageiro



Cardoso é segurança do metrô.
Ontem, já na primeira viagem, pela manhã bem cedinho, encontrou um passageiro dormindo dentro de um dos vagões vazios.
- Senhor, é a última estação. O senhor tem que descer.
O homem, sonolento, acordou e resmungou:
- Tem muito barulho em minha rua.
Cardoso não deu muita atenção e continuou seu serviço.
Eis que duas, ou talvez três viagens depois, o mesmo homem está mais uma vez dormindo em um dos vagões vazios.
- Senhor – repetiu Cardoso – é a última estação.
O homem, mais uma vez sonolento, resmungou:
- Tem muito barulho em minha rua.
Cardoso até que se compadeceu do pobre homem afinal, se tem muito barulho na rua onde o coitado mora, ele provavelmente tem dificuldades para dormir à noite.
E lá foi Cardoso seguindo seu dia.
Algumas viagens depois, Cardoso duvidou do que seus olhos viam: o mesmo homem, mais uma vez dormindo no vagão vazio.
- Senhor, última estação.
E o homem, ainda sonolento, tornou a resmungar:
- Tem muito barulho em minha rua.
E não é que, não muito tempo depois, o mesmo homem estava dormindo em outro vagão?
Cardos, já intrigado, repetiu mais uma vez:
- Senhor, é a última estação.
E o homem, como das outras vezes, sonolento resmungou:
- Tem muito barulho em minha rua.
E lá se foi mais uma vez, Cardoso a trabalhar.
E eis que, não mais tão surpreendentemente, Cardoso encontrou o mesmo homem a dormir, agora roncando, dentro de um vagão vazio.
- Senhor – falou Cardoso, já sem tanta paciência – é a última estação.
O homem, ainda mais sonolento que antes, resmungou:
- Tem muito barulho em minha rua.
Cardoso intrigado, resolveu pela primeira vez em dois anos, abandonar seu posto e seguir o homem para tentar entender o que estava causando tão surreal situação e, o acompanhou até o embarque em outro vagão.
O homem entrou, sentou e dormiu.
Chegando na última estação, um outro segurança o acordou e ele desceu.
Ainda o seguindo, Cardoso viu o homem entrar no metrô que fazia a linha de volta, sentar e, mais uma vez, dormir.
Ao chegar à estação derradeira, Cardoso tornou a acordá-lo e repetiu:
- Senhor, é a última estação.
O homem, mais dormindo que acordado, tornou a resmungar:
- Tem muito barulho em minha rua.
E assim transcorreu toda a manhã.
O homem chegava na última estação dormindo, Cardoso o acordava e ele, antes de descer, resmungava:
- Tem muito barulho em minha rua.
Cardoso tirou uma hora de almoço e, quando voltou, adivinhem?
Lá estava o homem a dormir no vagão sozinho.
Repetindo o ritual, Cardoso o acordou e ele resmungou:
- Tem muito barulho em minha rua.
Desta vez, diferente das anteriores, o homem finalmente se dirigiu para a saída da estação.
Cardoso riu de tão estranha circunstância e seguiu seu dia de trabalho, não pensando mais naquele assunto.
Mas, eis que uma hora e meia depois...
Lá estava o homem dormindo novamente em um vagão vazio.
- Não é possível – pensou Cardoso.
E lá foi acordar novamente o homem.
Este, quando despertou, tornou a resmungar:
- Tem muito barulho em minha rua.
Já não suportando mais a estranheza e a curiosidade, Cardoso resolveu perguntar para finalmente esclarecer aquele mistério inusitado.
- Senhor, desde que o metrô começou a funcionar no dia de hoje, que o encontro dormindo nos vagões. Sempre te acordo e o senhor sempre me diz que tem muito barulho em sua rua.
- É verdade – respondeu bocejando o homem.
- Então, em nome de Nossa Senhora do Metrô e do santo protetor dos seguranças, me explique o que está acontecendo antes que eu ache que o senhor é louco ou que eu comece a duvidar de minha própria sanidade.
Então, entre um bocejo e uma espreguiçada, o homem falou:
- É que, ao lado de minha casa estão construindo um prédio e, o senhor deve saber o barulho insuportável que uma construção faz.
- É verdade – concordou Cardoso, apenas para incentivar o homem a terminar a história.
- Do outro lado de minha casa, tem uma casa de shows e, bem no meio dos dois, estou eu e meu quarto.
- Sim, sim – falou sem mais nenhuma gota de paciência, Cardoso.
- Então, com tanto barulho de um lado e de outro, eu não estava conseguindo dormir e fiquei doente.
Já a ponto de enfartar de curiosidade, Cardoso gritou:
- Sim, homem! Pelo amor de Deus, deixe de delongas e termine essa maldita história!
- Daí que fui ao médico e ele me receitou total repouso. Como lá em casa, com tanto barulho não dava para repousar, procurei um hotel.
- E?
- E você já viu o preço que está uma diária com pernoite? Quando parei para fazer as contas, vi que era muito mais barato dormir nos vagões do metrô: tem ar condicionado, é tranquilo e ainda tem um balanço que me faz ninar... Mesmo tendo que sair para almoçar, só gastei o valor de duas passagens, que dá menos de dez reais.
E, após a explicação, saiu resmungando:
- Tem muito barulho em minha rua.

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