“ Gostaria de aproveitar a presença dos dois distintos cavaleiros e esclarecer alguns pontos:
Sou o único carteiro desta cidade miúda, feia e esquecida por Deus e, isso faz de mim um sujeito ocupado.
Porém, é um privilégio de um carteiro em minha posição, ser o confidente e ouvinte de boa parte das pessoas que recebem as correspondências.
Dito isto, gostaria de lembrar aos dois senhores que, por inciativa de vocês, que fizeram questão de me fazer saber o conteúdo das correspondências que receberam um do outro, sei exatamente do que estarei falando.
Devo informar que não gosto do cachorro que sim, é pulguento e, ainda por cima, tem um latido rouco e irritante.
Também não gosto desse galo maluco que canta toda vez que me vê atraindo assim a atenção do maldito cão que, além de tentar me morder, machuca meus ouvidos com esse latido que mais parece um rádio fora da sintonia que o som emitido por um cachorro.
Quanto ao abacateiro, porque vocês simplesmente não podam essa porcaria de árvore e acabam com essa confusão de uma vez por todas?
As folhas de manga, já que vocês não tem coragem de falar com o Tobias porque, além de ser policial, é violento e sem paciência, comprem uma vassoura e varram essa sujeira todos os dias!
Acho que, no fim das contas, a briga é para ver quem é mais preguiçoso!
Quanto a fidelidade da nora de senhor Terencio, nada tenho a acrescentar. Se ela faz ou não faz, eu não sei. Não abro as correspondências dela para o Gustavo Garanhão mas, sei que quem alimenta o boato é o filho gordinho do Jesuíno.
Se é verdade, calúnia, ciúme ou vontade de ser o próximo amante, não sei dizer e nem quero saber.
Quanto aos dois adolescentes da escola, sugiro que os senhores aconselhem seus filhos a estudar mais e brigar menos.
A menina não é agiota para emprestar dinheiro e o menino dessa idade já apresenta tendências ao ofício de gigolô.
Eu me preocuparia com os dois.
Moro na vizinhança e posso dizer que não sei o que é pior: o idiota que acelera com o escapamento da moto furado ou o imbecil que fica buzinando com a bicicleta, ao invés de descer e bater na porta.
A dúvida é cruel.
Por falar em incômodo, tenho que concordar que o karaokê quando começa, me faz imaginar que esse deve ser o som das almas sendo torturadas no inferno. Que coisa horrível! Nem sei dizer se a letra está certa ou errada tamanha é a afronta a boa música.
Já ouvi gemidos de dor mais afinados.
Entre o pijama ridículo de um e a cueca que desaparece por baixo da barriga do outro, confesso que preferia estar cego.
Já vi filmes de terror menos assustadores.
Quanto às contas, paguem se quiserem mas, valorizem o serviço do carteiro e parem de queimar as correspondências! Ou então saiam do século dezenove e as recebam por e-mail.
Aturo esse cachorro rouco e o maldito galo presepeiro somente para entregar essas porcarias de contas. Vocês estariam me fazendo um favor.
Quanto a distinta dona Raimunda, estimo melhoras e, pelo que vejo, tanto ela quanto a esposa de Terencio tem motivos para os xingamentos.
Vocês dois devem ser um horror de aturar dentro de casa.
Aliás, por falar nisso,, já que os dois idiotas moram na mesma casa, gostaria de pedir que parassem de ficar mandando correspondências um para o outro pois sou um homem muito ocupado e não tenho tempo para picuinhas familiares.
Termino esse desabafo falando em nome da distinta Empresa de Correios e Telégrafos, agradecendo a preferência e solicitando que não leiam mais as correspondências para mim e não me peçam mais opiniões pois, não sou psicólogo e nem babá de marmanjo.
Grato,
Primo Ivonei, o carteiro”.
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