quinta-feira, 6 de outubro de 2022

As Injustiças da Vida


Dona Fulô era uma pessoa muito comunicativa.
Aliás, comunicativa em excesso. 
Ela tanto era comunicativa por ter facilidade em se comunicar com todas as pessoas que conhecia, como o era por ter ainda maior facilidade de comunicar as pessoas sobra a vida alheia.
- Menina, você viu o namorado novo de Eliana? Uma menina bonita daquela com um namorado velho e feio daquele! Só pode estar de olho no dinheiro dele!
- Manézinho vive chorando miséria, mas reformou a casa mês passado. Queria saber que tipo de trambique ele anda fazendo, porque aumento de salário sei que não teve.
- Você viu que chiqueza o carro novo de Aninha? Gente, eu queria ser jovem para arranjar um namorado rico que me desse um carro daqueles! Porque, do jeito que a bichinha é feia, eu que era muito mais bonita na idade dela, já teria um iate.
- Mariana está seca parecendo um graveto. Dizem que anda fumando crack, mas eu soube de fonte confiável que está deprimida porque o marido dá corno e ainda bate.
Essa era Dona Fulô: pessoa indiscreta e extremamente bem informada.
Na mesma rua morava Dona Marilda.
Pessoa pacata, de poucos amigos e pouca conversa.
Quase não saia de casa e, quando acontecia, não rendia papo com ninguém: só se ouvia sua voz quando desejava um bom dia ou uma boa tarde a alguém que encontrava no caminho.
E olhe que, Dona Fulô tentou muitas vezes uma aproximação, sem nunca obter sucesso. E, aquilo, a irritava profundamente.
-Essa velha sonsa deve ter algum podre escondido no passado: matou alguém, na certa. Ou está aqui fugindo de alguém ou de algum mandato de prisão.
- Vocês já viram Dona Marilda receber alguma visita? Isso deve ser uma pessoa desgostosa da vida porque, de tão ruim, foi abandonada por todos que a conheciam.
- Não fala com ninguém porque esconde algum “podre” e não quer ser reconhecida. Conheço gente ruim pelo cheiro e, ela cheira mal!
Mas, apesar de tantas teorias, o que mais doía em Dona Fulô, era nunca ter certeza de nada que dizia sobre Dona Marilda.
Tentou até lhe fazer uma visita, levando um pouco de doce de abobora, velha receita da família, mas, Dona Marilda apenas agradeceu, recebeu o agrado e fechou a porta.
-Além de tudo é mal-educada! Também, notei que ela estava louca para saber a receita, mas eu não disse!
Um dia, inesperadamente, Dona Marilda tocou a campainha de Dona Fulô.
Esta, não se conteve de felicidade quando percebeu a oportunidade de, finalmente conseguir descobrir algo sobre a vida da misteriosa vizinha.
A convidou, não, insistiu e, praticamente a obrigou a entrar em sua casa.
As duas estiveram em uma animada conversa por longas três horas e, quando Dona Marilda saiu da casa de Dona Fulô, todos os vizinhos correram para lá, a procura de informações sobre a vizinha discreta.
- E aí, Dona Fulô? Descobriu alguma coisa sobre ela?
Fulô, deu uma pausa longa, um ainda mais longo suspiro, ajeitou os óculos e, enfim respondeu:
-Que nada! A velha não disse uma palavra sobre si mesma, só queria me perguntar sobre minha vida! Até quantas vezes casei, ela queria saber. Usou a desculpa de me devolver a vasilha do doce para futricar minha vida. Deus me livre! Não sei como a pessoa pode ser futriqueira deste jeito. Ela deveria era se espelhar em mim que sou um bom exemplo: vivo sozinha e sem querer saber nada da vida de ninguém!

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