sábado, 15 de outubro de 2022

As Princesas



Cinco princesas dos contos de fadas se reuniram em um barzinho para conversar sobre suas aventuras e desventuras. Na verdade, quatro pois, uma se atrasou. 
- Minha vida daria um filme – disse Rapunzel, enquanto foleava uma revista de cortes de cabelo – porque passei por poucas e boas: fiquei presa em uma torre, sem ar condicionado, com goteiras no teto, pagando IPTU caríssimo e, ainda por cima, tendo que aturar um príncipe bombado, pesado e tão casquinha que nunca se movimentou para sequer comprar uma escada! E, para completar, ainda tive que pagar o tratamento do dito cujo, que estava ficando cego. O resultado é que fui despejada pela minha madrasta e fui morar em um castelo enorme, que começo a limpar na segunda feira e só termino na sexta. 
Todas as outras princesas concordaram que a vida era difícil para Rapunzel. 
- Não que minha vida tenha sido fácil – falou Cinderela, enquanto limpava a mesa do bar, com uma flanela – meu pai morreu e me deixou como dependente de minha madrasta e as duas filhas mocreias dela. Eu lavava, passava, varria e cozinhava, por menos de um salário mínimo. Um dia teve uma festa e, juntando todas as minhas economias, comprei um vestido e peguei um par de sapatinhos emprestado com minha madrinha. Quando eu estava dançando com o príncipe gatinho, tive uma dor de barriga e precisei sair correndo da festa. Nisso, tropecei e perdi um pé do sapato. Imaginem que saia justa quando vi na internet que estavam procurando a dona do calçado! Minha madrinha ficou furiosa comigo. Hoje, estou casada com o príncipe e ainda tenho que sustentar a madrasta, as filhas dela e a madrinha...
Todas concordaram que a vida de Cinderela também não tinha sido nada fácil. 
- Eu também passei por maus bocados – começou Branca de Neve, enquanto mordia uma maçã – tive que fugir de casa porque a doida da minha madrasta ficava conversando com o espelho e dizendo que tinha raiva de minha beleza e fui trabalhar em um asilo tomando conta de sete velhinhos que viviam me paquerando. Eu também lavava, passava, costurava, varria, cozinhava e ainda tinha que aturar os velhotes cantando o dia todo. No dia em que consegui um tempo para dormir, vem meu namorado príncipe e me acorda. Sorte teve a Bela Adormecida que teve todo tempo do mundo para dormir...
Todas concordaram que as coisas foram complicadas para Branca de Neve. 
- Meu caso também é triste – ponderou Fiona, enquanto degustava uma salada de cebola – eu era uma princesa feliz e, sei lá porque, resolvi fugir com um carinha. Aí meu pai mandou outro me levar de volta e acabei caindo na lábia dele. Resultado: hoje estou cheia de filhos, meu marido é um verdadeiro ogro, o melhor amigo dele é um burro sem noção casado com uma mulher horrorosa que parece um dragão e ainda fui morar num bairro de periferia. Ando tão desgostosa que engordei e estou parecendo uma ogra também. 
Todas concordaram que as coisas foram feias para Fiona. 
Nesse clima de tristeza, a quinta princesa chegou ao barzinho.
- Perdoem o atraso – desculpou-se a princesa Jurema, enquanto tirava lama do solado da sandália – mas vir do Brasil pra cá é complicado: moro no alto de um morro onde vive faltando água (imaginem subir e descer com uma lata dágua na cabeça), tem tiroteio quatro vezes por dia e a internet, péssima por sinal, é fornecida por traficantes. Moro com um marido preguiçoso e sustento ele, sete filhos, minha mãe, a sogra e o cunhado, com um salário mínimo. Não fui aprovada no auxílio emergencial do governo porque sou uma princesa, tenho vizinhos barulhentos, acordo às quatro e meia da manhã para ir trabalhar, pego ônibus lotado e, quando volto para casa, ainda tenho que cozinhar para toda essa cambada. Lá na quebrada sou conhecida como Jurema, a princesa da favela. Ah, e ainda inventei de torcer para o Botafogo! Vivo a base de calmantes e cachaça, para não enlouquecer. Mas, do que vocês falavam?
Ninguém comentou mas, todas silenciosamente concordaram que Jurema era muito exagerada. 
Moral da história: no dos outros é sempre refrescante, mesmo quando apimentado.

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