Ata do Condomínio

- Está iniciada a reunião mensal do condomínio – decretou Menelau Mandão, o síndico.  

- Gostaria de iniciar com minha pauta – começou Marcinho Mal-Humorado – que é sobre a vaga de estacionamento que me é de direito e está sendo usada pelo vizinho desavergonhado do 43.  

- Desavergonhado é este senhor do 42 – respondeu Miguelito Malandragem, do 43 – que insiste que a vaga é dele quando, na verdade, usa sua própria vaga com um contêiner de lixo que não deveria estar ali.  

- Esse contêiner não é meu! Você que colocou ele alí! 

Após muita discussão, descobriram que o contêiner foi colocado naquele local a pedido de Marinalva Manhosa, que se justificou.  

- Tenho a saúde frágil e aquele fedor de lixo embaixo de minha janela estava me fazendo mal.  

Ficou resolvido então que, o contêiner seria retirado da vaga do estacionamento e colocado próximo a janela do 25, que havia faltado à reunião e, por isso, não teria direto de reclamar.  

O próximo tema foi abordado pela senhorita Sarita Santinha.  

- Como todos aqui sabem, sou uma senhora casta e respeitosa mas, nem todos aqui parecem se importar com isso. Tem um casal que fica desfilando pela beira da piscina com um biquíni devasso e uma sunga que, deixaria a pessoa menos despudorada se estivesse sem roupa nenhuma.  

- Você está falando de mim? – perguntou em tom de deboche, Daniela Devassa – Eu que tenho que reclamar porque a senhorita não tira os olhos da sunga de meu marido. Sua santa do pau oco! 

Após nova discussão, ficou decidido que o casal usaria roupas de banho maiores e Sarita Santinha pararia de olhar para as partes baixas do esposo de Daniela Devassa.  

- Nunca olhei – protestava encabulada, Sarita Santinha.  

A próxima pauta veio do velho Romildo Rabugento.  

- Esses capetas travestidos de crianças, filhos do morador do 63, já quebraram duas vezes meus jarros de plantas que coloco na janela, jogando bola. Um monte de pernas de pau mirins... 

- Meus filhos não são capetas e serão os futuros craques do Vasco da Gama, o Gigante da Colina! Eles passam a manhã treinando na escolinha e se aperfeiçoando a noite. Não posso prejudicar o futuro brilhante de meus filhos por causa dos seus pés de pimenta! 

- Não são pimentas, seu ignorante! E que futuro tem uns perebas que miram numa trave pequena no chão e acertam na janela do primeiro andar? Me diga! 

- Que futuro tem alguém que joga no Vasco? – perguntou Gastão Gozador, arrancando risadas de todos, menos dos dois que ainda discutiam sobre a diferença entre pimenta e hortelã grosso e o futuro do Vasco e da Seleção Brasileira, nos pés daquelas crianças.  

Acertou-se então que, o pai dos futuros campeões cariocas de futebol iria financiar uma tela de proteção para os pés de hortelã grosso de Romildo Rabugento e, Gastão Gozador foi advertido por se meter em discussão alheia que não lhe diz respeito.  

A pauta seguinte foi uma queixa de Severino Sovina.  

- Estou insatisfeito com a divisão da conta de luz do meu prédio. Eu trabalho o dia todo e economizo o que posso e tenho que pagar o mesmo que o vizinho do 83, que dorme com as lâmpadas acesas, a televisão ligada e não se preocupa nem um pouco com economia.  

- Só não economiza em fiscalizar a vida do vizinho – “sussurrou” Gastão Gozador, que parecia só comparecer às reuniões para se divertir.  

- Eu sei disso porque as paredes são finas e não sou cego – respondeu irritado, Severino Sovina.  

O vizinho do 83, Agnaldo Agitado, alegou que as luzes ficavam acesas e a televisão ligada porque, Fernando Festeiro do 84 não deixava que ele dormisse cedo, por causa das festas noturnas frequentes que realizava.  

- Como dormir com tanto barulho? E vou ficar acordado com as luzes apagadas e a tv desligada? Moro em um apartamento ou na Bat-Caverna? 

Fernando Festeiro, na maior cara de pau, se defendeu dizendo nunca ter notado que suas “pequenas reuniões em família” incomodavam a vizinhança pois, era tudo mantido em “ambiente familiar”.  

- Pois tinha um primo e uma prima sua se atracando embaixo das escadas ontem de madrugada – murmurou, adivinhem, o Gastão Gozador.  

- Um escândalo! – completou horrorizada, Sarita Santinha – Parecia filme pornô de quinta categoria! 

- Tá entendida de qualidade de pornô, hein? – provocou Gastão Gozador, o único que gostava de estar na reunião.  

Após uma troca generalizada de insultos, a “ família” de Fernando Festeiro foi proibida de estar nas dependências do condomínio após às dez da noite, Agnaldo Agitado concordou em apagar as luzes e economizar energia no mesmo período, Severino Sovina, sob protestos foi convencido que não tinha como a conta de luz ser proporcional ao que cada um gasta, já que não possuem contadores individuais e, Gastão Gozador foi multado por tumultuar a reunião e promover a discórdia.  

- Estou pagando para me divertir – falou entre risos.  

E assim transcorreu a reunião: muitas queixas, muitas discussões e, sob o pulso firme de Menelau Mandão, todos iam cedendo muito a contragosto para contribuir com a paz e a boa vizinhança no condomínio.  

O problema era que, por experiência, Menelau Mandão sabia que, se todos não assinassem a ata após a reunião, convenientemente uma amnésia coletiva se abateria sobre o condomínio e ninguém seguiria nada do que foi combinado. Portanto, a coisa mais importante de toda a reunião era a bendita ata.  

Após todas as questões estarem resolvidas, Menelau Mandão se voltou para Sandoval Sonolento, que estava responsável por escrever no livro, tudo que alí tinha sido resolvido.  

Porém, como o nome sugere, Sandoval era Sonolento e dormindo estava assim como, dormindo esteve, durante toda a reunião não tomando nota de nada. E, com nada sem ter sido anotado, nada seria provado e nada seria cumprido.  

- Mas quem, em nome de Deus, deu a responsabilidade da ata para esse senhor de oitenta anos de idade que só vive dormindo? – quis saber Menelau Mandão, já furioso e frustrado.  

Nova confusão entre os condôminos e, num cantinho, Gastão Gozador, o responsável por ter dado a ata para Sandoval Sonolento, ria bastante.  

- Pago para me divertir – repetia em meio a confusão.