terça-feira, 11 de outubro de 2022

O Sagrado Sono do Domingo


E chegou finalmente o domingo. 
Após uma semana desgastante, coroada com um sábado intenso de trabalho até às vinte e três horas, Cardoso só queria dormir. 
Mas dormir pode ser algo tão difícil, a depender da situação. 
Quatro e meia da manhã o galo do vizinho anunciou que não estava ligando para o fato de Cardoso querer ou não querer dormir. 
Cardoso, que não faz mal a uma mosca, sentiu repentinamente uma vontade irresistível de comer um bom assado de galo. 
- Porque inferno esse cara não desligou esse maldito animal? Domingo lá é dia de galo cantar de madrugada?
Quinze minutos depois, a maldita ave parou de fingir que era um despertador e o silêncio voltou a reinar. 
Cardoso então, voltou ao seu merecido e planejado sono dominical. 
Era um domingo atípico: tudo que tinha que ser feito, foi feito durante o decorrer da semana, justamente para este longo e reparador sono que deveria durar o máximo de horas possíveis no decorrer do dia. 
Mas, ele esqueceu de combinar não só com o galo como com um cachorro de rua que, resolveu se distrair latindo em perseguição à um motoqueiro que passava naquele instante. Cardoso olhou para o relógio e, pasmado, descobriu que só tinha dormido por quinze minutos. 
A moto aliás parecia que, no lugar do escapamento, tinha uma turbina de avião tal alto e estrondoso era o barulho que fazia. 
Após este infeliz incidente, Cardoso conseguiu voltar a dormir. 
Porém, às seis horas, Cardoso acordou ao som do despertador de cabeceira que mantinha ao lado de sua cama. 
Levantou rapidamente, ainda grogue de sono, foi ao banheiro, tomou banho, preparou o café da manhã, vestiu a farda e saiu para ir trabalhar. 
Somente na metade do caminho para o ponto de ônibus, ele se lembrou que era domingo e não teria que ir trabalhar. 
Já mal humorado por não ter lembrado de desligar o maldito despertador, voltou para casa e, novamente deitou-se. 
Demorou um pouco para dormir, mas dormiu. 
Às sete horas, o telefone tocou. 
Era sua mãe, preocupada, querendo saber se ele tinha passado mal pois, tinha visto ele voltar do trabalho. 
Após tranquilizar sua querida mãezinha, Cardoso voltou a dormir. 
Pouco depois, o maldito telefone voltou a acordar o pobre Cardoso. 
Desta vez, era sua amiga de longa data, a Ernesta, numa felicidade só desejando feliz aniversário, com direito a “parabéns para você”, “ que Deus lhe dê” e “vou comer seu bolo”.
Após agradecer, Cardoso lembrou que só faria aniversário dali a um mês. 
Procurou esquecer o mal entendido e voltou a dormir. 
Já estava em sono alto quando, acreditem, o telefone voltou a tocar. 
Desta vez era a operadora do celular oferecendo um serviço que, além de não interessar a Cardoso, ele já o usava. 
Cada vez mais irritado, o pobre homem resolveu fazer o óbvio: desligar o celular de uma vez. 
Agora sim, ele poderia dormir em paz. 
Não se sabe bem por quanto tempo o coitado conseguiu permanecer no mundo dos sonhos, até que a campainha tocou. 
Cardoso, mais dormindo que acordado, abriu a porta e deu de cara com duas senhoras sorridentes e bem vestidas a perguntar se “ele teria um tempo para ouvir a palavra do Senhor”. 
Após uma palestra de trinta minutos sobre o Paraíso que o esperava, Cardoso finalmente conseguiu voltar para a sua tão desejada cama. 
Mas, não foi desta vez que Cardoso conseguiu sua merecida paz: um vendedor de sabão em pasta, outra dupla de senhoras cristãs, um carro com altos falantes a plenos pulmões, gritando que a placa de ovo custava dez reais, o vizinho que acordou e resolveu que todos tinham que acordar junto com ele para ouvir sua música que estrondava todo o quarteirão, o outro vizinho começou a brigar com a esposa e o filho de dona Genoveva, que morava em frente, começou a berrar porque queria comer pastel. 
E assim transcorreu o domingo: sem trégua para o planejado descanso do pobre Cardoso. 
O silêncio só voltou a reinar, acreditem, por volta de onze e meia da noite que, foi quando ele conseguiu verdadeiramente dormir. 
Às quatro da manhã, o galo voltou a cantar e às seis, o despertador anunciou que a maldita segunda feira tinha chegado.  
Cardoso se arrumou e foi trabalhar.  
Chegou no trabalho sonolento e mal humorado.  
O porteiro, que deve ter dormido bem, brincou perguntando se ele tinha virado a noite na farra, para estar com aquela cara de sono.  
A secretária do chefe, comentou que ele deveria se cuidar mais pois, estava cheio de olheiras.  
Já o chefe, comentou que não costumava tolerar funcionários ressaqueados em plena segunda feira.  
Mas o pior comentário veio de dona Gracinha, a faxineira: 
- O cara tem o fim de semana todo para descansar e, em vez disso, fica farreando durante a noite. Depois fica aí parecendo uma mistura de espantalho com Maria Mole. Quando chegar em minha idade, em vez de estar inteiro feito eu, vai estar parecendo um idoso de cem anos. Eita geraçãozinha sem nada na cabeça.

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