quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Carinhosa Demais


Teodora trouxe café na cama para Antenor. 
Antenor, que já tinha cinquenta anos e, portanto, não nasceu ontem, foi logo estranhando e perguntou:
- Vai me pedir o que?
Teodora, com uma ternura que nunca teve, respondeu:
- Poxa amor, só posso te fazer um carinho se for para pedir alguma coisa?
Antenor, em cinco segundos fez uma retrospectiva dos trinta anos de casamento, dois de noivado e dois de namoro e respondeu convicto:
- Com certeza que sim...
Teodora sorriu de uma forma que não costumava sorrir, e respondeu:
- Que injustiça, amor. 
Antenor só não levantou uma das sobrancelhas, para mostrar sua estranheza com aquela situação, porque não sabia levantar a sobrancelha. 
Como a cavalo dado não se olha os dentes, Antenor começou a comer do farto desjejum que a esposa havia trazido. 
- Hoje é meu aniversário? – perguntou finalmente. 
- Não que eu saiba. 
- Tem alguma data comemorativa que eu esqueci hoje?
Teodora, se mostrando incomodada, apenas sussurrou:
- Amor, estou aqui toda feliz cuidando de sua pessoa, e você com essa desconfiança toda?
Antenor preferiu não responder. 
Encheu a boca de bolo de tapioca e ficou a mastigar, enquanto sua esposa o observava sorridente. 
Puxou da memória o que tinha feito de errado, ou de certo talvez, para todo aquele cuidado de Teodora. 
Cheirou discretamente o pão para saber se não estava envenenado, com purgante ou alguma coisa do tipo.  
Permaneceu em silêncio, esperando o momento em que toda aquela cena tivesse um final e fosse revelado o verdadeiro motivo de tudo aquilo. 
Mas, Teodora apenas o olhava sorridente. 
Terminou o café e, quando foi se levantar, percebeu que na cadeira ao lado da cama, estava todo o seu uniforme do futebol, lavado e passado. 
Até a chuteira estava limpinha!
- Você quer visitar um psicólogo? – perguntou Antenor. 
- Não, amor – respondeu gentilmente, Teodora. 
Antenor tomou banho, escovou os dentes e vestiu-se para o futebol. 
Ao sair, recebeu um beijo apaixonado e um “bom jogo, amor”, da esposa. 
Jogou mal e até a cerveja parecia sem graça. 
Antenor não conseguia parar de pensar que, algo de bem desagradável o esperava quando voltasse. 
Teodora não dava ponto sem nó e aquele café da manhã custaria caro. 
Voltou para casa e encontrou as cervejas no congelador, queijo cortadinho no prato, comida cheirando no fogo e a tv já no canal do futebol. 
Antenor entrou no banheiro e ligou para o irmão. 
- Clodoaldo, estou preocupado...
Contou tudo que estava acontecendo e o irmão, ao invés de apoia-lo, caiu na risada. Irritado, Antenor desligou. 
Digitou um testamento, uma carta de despedida para os pais e amigos e enviou para o amigo, Martinho, com a recomendação que só divulgasse caso algo acontecesse com sua pessoa. 
Martinho nada respondeu. 
Preocupado com sua própria sorte, Antenor saiu do banheiro e encontrou Teodora enchendo sua caneca predileta com uma cerveja geladíssima, recém tirada do congelador. 
Sua poltrona favorita estava arrumada, forrada e até um puf para que ele colocasse os pés, tinha a sua disposição. 
Cada vez mais desconfiado e preocupado, Antenor nem prestou atenção no andamento da partida na tv. 
Na hora do almoço, Teodora fez seu prato, serviu a sobremesa e, carinhosamente, perguntou se queria mais cerveja. 
Teobaldo, já meio “cervejado”, preocupado e curioso, não aguentou mais e chamou a esposa para uma conversa franca:
- Olha, nós temos mais de três décadas juntos, já te conheço “de cabo a rabo” e sei que todo esse carinho tem algum golpe embutido. O que está acontecendo? O que você quer, o que eu fiz ou que aconteceu?
- Impressão sua, amor. 
- Não é não. 
- É sim...
Arnaldo respirou fundo e falou, já na certeza que iria se arrepender:
- Olha, seja lá o que você tiver feito, eu prometo que não vou brigar. Só me conte o que foi porque, não aguento mais de curiosidade. 
- Você jura que não vai brigar?
- Juro!
- Pela alma de sua mãe?
- Sim. 
- Pelo título de oitenta e oito do Bahia?
- Sim, sim
- Diga que jura...
- Juro pela alma de minha mãe e pelo título de mil novecentos e oitenta e oito do Esporte Clube Bahia, que não vou brigar ou me chatear com seja lá o que você tenha aprontado, desde que me conte agora!
Teodora, fazendo carinhos em Antenor, falou baixinho e delicadamente:
- Convidei a mamãe para passar um mês aqui em casa com a gente. 
Antenor olhou fixamente para Teodora. 
- Você disse que não ia brigar – falou preocupada. 
Antenor levantou, pegou o celular e começou a fazer uma ligação. 
- Está ligando pra onde?
- Vou fazer duas ligações: uma para o Sérgio e outra para o Carvalhal. 
- E quem são estas duas pessoas?
- Sérgio é do RH do trabalho e Carvalhal é lá do interior onde nasci. 
- Não entendi...
- O Sérgio vai liberar minhas férias e o Carvalhal vai conseguir uma hospedagem para mim, por trinta dias, na pousada dele. Para honrar minha promessa, salvar a alma de minha mãe, valorizar a gloriosa camisa do meu Bahêa, não brigar com você e aturar a velha bruxa aqui em casa, ou tiro férias e vou para o interior ou encho a cara de cachaça por trinta dias seguidos. 
- Falando nisso, estourei seu cartão com algumas compras a mais, a passagem de avião de mamãe...
Furioso, Arnaldo já pensava em quebrar sua promessa mas, teve que rir quando Teodora terminou a frase:
- ... e passando no depósito, comprei um grande estoque de cervejas para você passar o tempo pois, dinheiro para viajar você não vai ter. 
Arnaldo passou raiva e ressaca por um mês inteiro mas, secretamente, ficou cheio de orgulho e admiração pela esposa. 
- Eita mulher inteligente da peste!

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