sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Discretamente



Quero começar passando uma informação que parece ficção científica: houve uma época em que ninguém, eu disse ninguém, tinha celular. 
Por consequência, não existiam fotos instantâneas, selfies e outras inovações fotográficas e fotogênicas do tipo. 
Mas, não pensem os senhores que sou tão velho ao ponto de ser mais antigo que as fotos. Não, não. 
Tínhamos máquinas fotográficas “modernas”, com timer e ótima definição. Porém, era uma época onde se vivia mais e registrava menos. 
 E não pensem também que estou gastando essas linhas apenas para provocar as pessoas mais jovens. Essas informações são importantes para o melhor entendimento do que aconteceu naquele final de semana. 
Acrescento que, como de costume, não posso garantir que essa história real tenha realmente acontecido e você, desacreditado, que não acredite.
Fomos eu e um grupo de amigos passar cinco dias em uma cidadezinha do interior e foi lá que tudo aconteceu.
Consta que, como todos que já foram no interior sabem, a comida de lá é farta, gostosa e diferente das porcarias que comemos nas capitais. 
Somado a isso está a boa educação que não permite que ofendamos os anfitriões e, é sabido que, no interior não existe ofensa maior que pessoas da capital recusem qualquer alimento oferecido pelo dono da casa. 
Não importa se você, às seis da manhã, já devorou dez quilos de comida: se você recusar será visto como uma pessoa arrogante e desdenhosa da simplicidade interiorana. 
E como toda ação traz consigo uma reação, toda alimentação traz uma reação de ordem estomacal, as vezes até fora de proporção. 
Gozadores e brincadeiras de gosto duvidoso sempre existiram e, apesar de não existirem ainda as redes sociais, uma foto comprometedora não rodava o mundo mas, com certeza, rodaria a vizinhança. 
Pois é, com a barriga excessivamente cheia, a natureza não demorou a me chamar, se é que vocês me entendem. 
Logo no primeiro dia de estadia e de chamado das leis naturais, procurei um banheiro e estranhamente não achei. 
Achando indelicado expor está falta de um cômodo na residência, preferi não perguntar e desafogar minhas “magoas” no mato mesmo. 
Precavido que sou, confisquei a câmera fotográfica e parti para consumar o ato sem correr o risco de ter minha ação registrada, revelada e exposta. 
E assim repeti também no segundo dia. 
Sempre que precisava, saia sorrateira e discretamente, carregando a tiracolo a máquina fotográfica. 
Desconfio que não era o único a ter tal ideia pois, frequentemente eu procurava a bendita câmera e não a encontrava. 
Quando a achava, me embrenhava na mata tal qual um Tarzan e, cada som diferente ou cada movimento era motivo para ficar alerta, afinal, sabe-se lá se alguém não tinha outra câmera...
Esta desagradável rotina se repetiu ao longo dos cinco dias que permaneci na cidadezinha e, por este lado, fiquei aliviado quando finalmente, no último dia, me vi livre deste “tormento”. 
Vocês devem estar se perguntando: e o banho, não tomavam?
E a resposta é: sim, claro!
Tomávamos banho num rio que se encontrava ali próximo. 
E, devo abrir um espaço para este tema também: banho de rio pode até ser uma delícia sob o sol quente, de vez em quando...
Mas, no cair da tarde e começo da noite, em dias nublados, é uma verdadeira tortura! Água gelada, barulho de sapo e medo de cobra são constantes e nada agradáveis. 
Mas, cinco dias sem banho, ninguém aguenta!
E assim se passaram os dias: comendo mais que podia e devia, se aventurando na mata justamente porque estava comendo demais e tomando banhos gelados e medrosos. 
Não que eu esteja me queixando pois, foram dias bons e agradáveis. 
Porém, tinham estes empecilhos. 
Já no quinto dia, arrumados para ir embora, fomos nos despedir dos anfitriões que, curiosos, resolveram nos perguntar:
- Meninos, não me levem a mal mas, vocês não tomaram banho esses dias todos, não? 
Com toda educação e delicadeza que a situação pedia, explicamos que encontramos o rio próximo à casa e que, não nos importávamos em usar o mato para o restante pois, apesar de sermos da capital, éramos simples. 
Para nossa estranheza, o dono da casa fez cara de surpresa enquanto que sua esposa não conseguia segurar a risada. 
Nosso anfitrião, com uma expressão de incredulidade, questionou:
- Mas porque vocês usaram o mato e o rio? É costume da cidade?
Um silêncio constrangedor “se fez ouvir”. 
- Vocês não notaram que atrás da casa tem um banheiro com vaso, descarga e chuveiro? Não acredito!
E, antes que pudéssemos responder, Joanita, de apenas seis anos de idade, resumiu em uma frase o que deviam estar pensando seus pais:
- Bem que vovó falou que na cidade só tem bocó e tabaréu!

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