quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Noite Longa


Apolônio e Givanildo são amigos. 
Mas não tão amigos ao ponto de dormir na mesma casa, quanto mais no mesmo quarto. E na mesma cama? Nem pensar. 
Apolônio e Givanildo resolveram um dia, fazer uma sociedade para virarem sacoleiros. 
Juntaram todo o dinheiro que puderam e tocaram para uma cidadezinha de Pernambuco para comprar roupas, com a intenção de revender. 
Para economizar, Apolônio e Givanildo resolveram dividir o quarto do hotel. Que mal teria?
Para Givanildo, mal nenhum. 
Para Apolônio também não. Ou assim ele pensava. 
Givanildo não demorou a dormir. Apolônio também não. 
Foi lá por volta de meia-noite que tudo começou. 
Apolônio estava em sono leve quando, de repente, ouviu um grito aterrorizante, vindo da cama ao lado:
- Jureeeeeeemaaaaaa!
Apolônio deu um salto da cama que quase bate a cabeça no teto. 
Olhou para o lado e viu que, Givanildo dormia um sono profundo. 
Sem entender o que tinha acontecido e achando que tinha sonhado, Apolônio voltou a dormir. 
Poucos minutos depois, Apolônio já dormia novamente. 
Mais de repente que antes, Apolônio tornou a acordar, com uma risada pavorosa e arrepiante, que mais parecia de uma bruxa. 
- Sangue de Cristo tem poder – gritou Apolônio, assustado. 
Mais uma vez olhou para Givanildo e ele dormia tranquilo. 
- Será que estou ficando doido? Esse quarto estaria assombrado? Ou aquela feijoada de mais cedo está me causando pesadelos?
Desta vez demorou um pouco mais para pegar no sono. 
Quando finalmente estava cochilando, um novo grito:
- Paga meu dinheiro, seu canalha!
Dessa vez, Apolônio caiu da cama. 
Givanildo permanecia dormindo. 
Apolônio revistou todo o quarto a procura do engraçadinho que estava pregando aquelas peças mas, nada nem ninguém foi encontrado. 
Apolônio mal deitou e um barulho ensurdecedor, que mais parecia um motor de avião, tomou conta do quarto. 
Apolônio olhou para o lado e constatou que era Givanildo roncando. 
Passaram-se dez, quinze, quarenta minutos e o ronco não parava. 
Apolônio já pensava em colocar um rolo de papel higiênico na boca de Givanildo para ver se o barulho cessava. 
Foi quando, do nada, Givanildo parou de roncar. 
Apolônio então, agradeceu aos céus e tornou a dormir. 
Alguns minutos depois, olha a voz de novo:
- Te quebro na porrada! Cadê meu dinheiro? Jureeeeeeemaaaaaa! Ronco! Ronco! Rarararararará! Caiu a goiaba!
Horrorizado, Apolônio achou que, realmente, o quarto era assombrado. 
A voz parou e Apolônio, petrificado na cama, rezava. 
Abriu os olhos e, para seu terror ainda maior, viu que tinha alguém de pé ao lado de sua cama.
- Tá amarrado – gritou, se jogando no chão. 
Foi só então que percebeu que, o vulto, era Givanildo de pé no quarto. 
- Tá doido, homem? Em pé no escuro? Quer me matar do coração?
Givanildo nada respondeu. Deu três pulinhos, riu alto, chamou Jurema, pediu uma pizza e tornou a deitar na cama. 
Tudo isso sem abrir os olhos. 
Foi então que “a ficha de Apolônio caiu”: Givanildo era sonâmbulo e falava enquanto dormia, além de roncar feito motor de ônibus velho. 
Não que descobrir isso tenha melhorado a situação de Apolônio. 
Givanildo, durante a noite, chamou Jurema mais umas dez vezes, riu, cobrou dinheiro que lhe deviam, chorou, imitou sirene de ambulância, roncou, assoviou, ficou em pé, sentou em cima das costas de Apolônio, pediu pizza de arroz doce, capinou com uma enxada invisível, gritou gol do Bahia umas dez vezes, narrou uma vitória do Airton Senna, contou uma piada sem graça alguma, cacarejou, cantou Reginaldo Rossi e correu uma maratona dentro quarto. 
Apolônio, sabedor de que não se pode acordar sonâmbulos, a tudo teve que aturar, passando a noite toda em claro. 
Os primeiros raios de sol entravam pela janela, enquanto Givanildo cantava uma mistura de Hino Nacional com lambada. 
De repente, do nada, Givanildo deitou-se na cama, parou de fazer barulho e dormiu profundamente. 
Quem não dormiu nada foi o pobre Apolônio. 
Mas aquele silêncio era convidativo. 
Porém, quando Apolônio fechou os olhos, ouviu o barulho irritante vindo do despertador de Givanildo. 
Quando os dois levantaram, Givanildo comentou:
- Misericórdia, que cara de morto! Não entendo como pode uma pessoa dormir a noite toda e acordar cansado desse jeito. Deus me livre!
Givanildo não entendeu porque, a partir daquele dia, Apolônio impôs como condição para continuar a sociedade que, quando viajassem, dormirem em quartos separados. 
- Esse Apolônio é um sujeito esquisito...

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