quarta-feira, 12 de outubro de 2022

O Bode e a Goiabada


Até que a gravidez foi tranquila. 
Vários meses se passaram sem que ela tivesse nenhum desejo estranho. 
Até aquele dia. 
Era um domingo, dez da noite. 
Ivair só queria dormir após um dia agradável porém, cansativo. 
- Amor – começou ela, chorosa – estou com desejo de comer carne de bode com goiabada. Vontade não, desejo. Chegar estou com água na boca. 
- Você tem que parar de assistir esses programas de culinária. 
Ivair levantou da cama, meio contrariado, e trocou de roupa. 
Esse desejo não podia ser no sábado a noite?
Sábado era só passar no bar do Zecão. Aproveitava e comprava, além do bode, um churrasquinho para si próprio e tomava umas cervejinhas. 
Agora, domingo àquela hora, onde ia achar isso?
- Vai logo, amor! Quer que seu filho nasça com cara de bode e vermelho feito uma goiabada?
Ivair não sabia o que era pior. Bode tem até uma carne saborosa, mas pense em um bicho feio. 
A cara parece a do Toninho do açougue e a barbicha é igual a do Irineu. 
Pense em uma coisa ridícula e multiplique por quinze, é aquela barbicha do Irineu. Parece os pelos pubianos femininos. 
Agora imagine uma criança feia igual ao Toninho, com a barba do Irineu e vermelho igual ao Pedro Gaúcho?
Ivair estremeceu com a ideia. Desconjuro. 
Saiu apressado atrás do bendito desejo da esposa. 
Passou no mercado e comprou logo a goiabada, que era o mais fácil. 
Entrou na fila do caixa que, apesar do dia e horário, estava relativamente longa. Que diabos esse povo estava fazendo no mercado àquela hora?
Uma velhinha a sua frente, como fazem todas as velhinhas, começou a puxar conversa. Ivair apenas balançava a cabeça. 
Não conseguia parar de pensar em seu bebezinho vermelho, com cara de bode e a barbicha do Irineu. Coisa medonha. 
- Você não acha que já está muito gordinho para comer doce uma hora dessas, não? – perguntou a velhinha com a sinceridade que só as velhinhas conseguem ter. 
Ivair deu uma resposta qualquer mas, ficou pensando se já não era hora de começar uma dieta. 
Chegou a sua vez, pagou a goiabada e saiu atrás do bode. 
Com a maioria dos bares pequenos já fechados, a solução seria ir até o centro da cidade. Isso daria uns trinta minutos de carro. 
O telefone tocou: era o primo Djair. 
- Não posso falar agora – respondeu ao atender – estou procurando um bode. Sabe onde eu encontro?
O primo, católico fervoroso e homem de bons costumes, respondeu ofendido e em tom de reprovação:
- Eu mesmo não! O mal do brasileiro é esse: sempre querendo fazer “bode” para levar vantagem nas coisas! Não me envolva nestas coisas não. Que decepção, Ivair...
Ivair, após perceber que o primo tinha desligado o telefone, ficou pensando em porque este tipo de coisa acontece. 
Sem mais opções, dirigiu até o centro. 
Nos restaurantes e bares ele encontrou carneiro, boi, porco, frango, paca, tatú, búfalo, camelo, gato... Tudo menos o bendito bode. 
Duas e meia da manhã e o pobre Ivair ainda zanzava pela cidade atrás da iguaria. Toda vez que pensava em desistir, lembrava da barbicha de Irineu. 
As três e vinte, em um despretensioso “caiduro”, finalmente Ivair achou a tão sonhada carne de bode. 
Um mal-humorado atendente, argumentando que já estava fechando e que aquilo não era hora de procurar esse tipo de coisa, preparou a “quentinha” e, só de maldade, cobrou o dobro do preço. 
Na volta, por culpa da maldita mania de deixar o carro com o tanque de combustível na reserva, teve que empurra-lo até um posto de gasolina. 
Tanque cheio, mas não muito, dirigiu até um pneu furar. 
Tudo por causa da maldita barbicha do Irineu!
Após uma complicada troca de pneu, por conta da falta de iluminação, finalmente chegou em casa. 
Cansado, suado, sujo e sonolento porém, com o sentimento de dever cumprido entregou o bode e a goiabada a mulher e foi tomar banho. 
Vestiu a pijama e deitou-se para aproveitar o descanso que ainda poderia ter, no que restou da noite. 
A mulher, entretanto, mais uma vez lhe chamou chorosa:
- Amor...
- Não precisa agradecer – respondeu, mais dormindo que acordado, Ivair. 
- Não é isso...
- E o que seria então?
- A goiabada...
- O que tem ela, mulher?
- Não era dessa. Você comprou industrializada, de mercado. Meu desejo é de bode na brasa com goiabada caseira. 
Ivair teve vontade de gritar, xingar e até de chorar mas, teve que sair atrás da maldita goiaba caseira afinal, tão ruim quanto nascer com a barbicha de Irineu seria nascer vermelho igual ao Pedro Gaúcho. 
Desconjuro.

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