quarta-feira, 12 de outubro de 2022

O Sumiço de Pitolomeu



Com certeza Pitolomeu nunca seria eleito o funcionário do mês. 
Lento, relapso, preguiçoso, displicente...
Mas uma coisa não podia ser reclamada da conduta profissional de Pitolomeu: ele nunca faltava ao trabalho. Eram cinco anos de empresa e nenhuma falta sequer.Porém, naquele cinco de outubro, Pitolomeu faltou. 
Nas primeiras horas ninguém notou afinal, Pitolomeu nunca seria eleito o funcionário do mês. 
No almoço, alguém comentou:
“Alguém viu o Pitolomeu?”
Obviamente ninguém respondeu. Primeiro porque, se ele faltou, ninguém o viu; segundo porque todos estavam almoçando preocupados com seus almoços. Afinal, não foi a cozinheira que faltou. 
Pela tarde, passei pela mesa vazia de Pitolomeu e falei, como falo todos os dias:“ Pitolomeu, preciso dos relatórios atrasados!”
Falei porque os relatórios de Pitolomeu sempre estavam atrasados e nem percebi que ele não respondeu, porque nunca prestava atenção nas desculpas que ele dava para estar sempre atrasado. 
E nem notei que Pitolomeu não estava na mesa, porque nem olhei afinal, ele sempre estava. 
Na saída, uns acharam que ele já tinha saído e outros, que ele ainda ia sair afinal, Pitolomeu nunca faltava. 
Em seis de outubro, Pitolomeu faltou de novo.
Alguém notou, alguém comentou e alguém estranhou. 
Foi um burburinho só em toda a empresa afinal, Pitolomeu nunca faltou. 
- Deve estar doente. 
- Soube que engravidou a filha de um traficante e está fugido. 
- Me disseram que acertou uma bolada na loteria. 
- Dizem que tomou justa causa por estar de namorico com a chefe. 
Eu, que sou a chefe e ,que nunca tinha namorado com Pitolomeu e, com certeza nunca namoraria, procurei saber do paradeiro do funcionário que nunca faltava. 
Primeiro procurei no banheiro, depois na copa e, por fim na área de lazer mas, Pitolomeu não estava. Liguei para Pitolomeu, que não atendeu. 
Em sete de outubro, nada de Pitolomeu. 
O estagiário foi enviado até a residência de Pitolomeu e, após várias batidas na porta, retornou sem notícias. 
A empresa já estava em polvorosa. 
Uns diziam que Pitolomeu ter faltado era a prova de que Jesus estava finalmente voltando; outros acionaram o sindicato para saber se poderiam também faltar afinal, se até Pitolomeu faltou...
Até a polícia foi procurada para tentar desvendar o mistério do desaparecimento de Pitolomeu. 
Mas ninguém sabia que fim levou Pitolomeu. 
No quarto dia, Pitolomeu apareceu. 
Entrou na repartição, como se nada tivesse acontecido, com um pequeno saco de papel na mão. 
Pitolomeu parecia cansado e seus olhos estavam quebradiços. 
A barba estava por fazer e olheiras eram visíveis. 
Sentou-se em sua mesa e, ainda como se nada tivesse acontecido, começou a trabalhar em seus serviços atrasados. 
Perplexa, surpresa e atordoada, saí de minha sala e quis saber o que tinha acontecido para que, o funcionário que nunca faltou, tivesse faltado por três dias. 
- É uma longa história – respondeu, enquanto arrumava uns papéis numa pasta e outros em outra pasta. 
Toda a repartição ficou em silêncio, ansiosa por saber o que tinha feito Pitolomeu, o funcionário que nunca falta, faltar. 
- Eu tive uma dor de dente e fui ao dentista – começou o pobre Pitolomeu – lá chegando foi dito por A mais B que eu só precisava de um analgésico. Só que eu tive uma reação alérgica que corroeu um dos meus dentes. 
- Um analgésico que corrói dentes? – estranhei. 
- Isso. Um caso raro na medicina ortodontistica. Aí, fiquei por oito horas em observação, por conta dessa situação única. Um cirurgião foi chamado e, constatou que não havia mais como restaurar meu pobre dente e, uma extração seria feita logo após a radiografia. Ocorre que o analgésico era tão forte que, após o bendito raio x, foi descoberto que mais dois dentes haviam sido comprometidos e foi preciso extrair os três. 
- Pois bem, podia ter ligado avisando – constatei. 
- Eu até gostaria mas, devido às condições especiais do meu problema, fui mantido isolado para estudos e, meu celular foi confiscado. Somente hoje pela manhã, subornando um dos funcionários, consegui escapar e vim direto para o trabalho pois, sabia que vocês estariam preocupados e que meu serviço estaria atrasado. Inclusive, devido à fuga, não tive como trazer um atestado médico para comprovar minha ida à essa clínica. 
Encarei Pitolomeu de forma séria e respondi:
- Você acha mesmo que eu ou qualquer outra pessoa em sã consciência vai acreditar em uma história louca como essa?
Tranquilamente, Pitolomeu respondeu:
- Eu sabia que a senhora não acreditaria portanto, antes de fugir, recuperei meus dentes extraídos e os trouxe como prova. 
E, assim falando, depositou o conteúdo do saco que tinha em mãos sobre a mesa: os três supostos dentes extraídos. 
Não quero julgar ninguém mas, os dentes eram tão velhos que, somados às unhas sujas de terra de Pitolomeu, me deram a impressão de terem sido arrancados de um cadáver.
Fiquei uns cinco minutos sem saber se aceitava a desculpa que eu sabia ser mentira, ou se queria realmente saber de onde Pitolomeu tirou aqueles dentes. 
Decidi deixar pra lá e perdoar as faltas afinal, Pitolomeu nunca faltou.

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