quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Você Lembra do João?


- Você lembra do João – perguntou-me Dona Arisvalda. 
- Que João? – respondi confuso. 
- O João da padaria – respondeu, meio sem paciência. 
Pensei um pouco e percebi que conhecia uns três “Joões” que trabalhavam em padarias. 
- Em qual padaria? 
- A de Pitoco, filho de Chiquinha!
- Ah, já sei. O que tem ele? Vai dizer que morreu?
- Que morreu que nada! Lembra da esposa dele?
- Não muito – respondi após um esforço de memória. 
A Toinha Formosa! Que namorou o primo Garnisé, lá de Tracupá!
- Ah, lembro sim! Que fim levou o primo Garnisé?
- E eu lá sei daquele traste? Mas, você lembra da Toinha?
- Agora lembrei. Moça bonita...
- Então – falou Arisvalda, ignorando minha observação sobre a beleza de Toinha – o irmão dela, o Tonho Capiroto, você lembra dele?
Desse eu lembrava: sujeito ruim, brigão e, dizia o povo, com um monte de mortes nas costas. 
- Lembro daquele desconjuro sim – respondi com cara de nojo – morreu aquela peste ruim?
- E eu lá sei? Mas você lembra que o Tonho Capiroto namorou uma moça chamada Lourdes, que saiu daqui fugida, porque botou galha no Tonho?
Até lembrava da história, mas não da pessoa. Porém, curioso por saber o que aconteceu, respondi sem muita convicção:
- Sim, eu lembro...
- Então – continuou Arisvalda – lembra que quem pagou a passagem dela foi o Josué Juvenal, que o povo acabou dizendo que era o amante dela e isso quase terminou em tragédia?
- Desse eu lembro! – respondi tão empolgado que cheguei a gritar. 
- O Josué tinha um irmão chamado José Juvêncio. 
- Eu sei: um que era motorista de ônibus...
- Esse mesmo! – gritou eufórica, Arisvalda. 
- O que teve ele?
- Não faço de ideia. Porque você quer saber isso?
- Achei que você ia me contar algo dele...
- Não, dele não. 
- Então?
- Já chego lá. Você lembra que José foi casado com Marlúcia Medonha?
- Lembro! Uma criatura feia que parecia uma carranca?
- Bom, quem ama o feio bonito lhe parece, já diz o ditado. 
- O que tem ela? – perguntei já sem paciência. 
- Ela tinha um amigo chamado Veloso. Lembra dele?
- Sim, lembro. 
- Veloso comprou um Fusca verde de Chicão Invocado. Lembra do Chicão? Um que era filho de Neinha Lavadeira...
- Sim, eu lembro do Chicão – respondi com aquela cara que Quico faz, antes de mandar Chaves se calar porque o está deixando louco. 
- Pois Chicão, naquela época, vendeu o ferro velho que administrava para o Juca Zaroio. 
- Antes que a senhora pergunte, eu lembro do Juca Zaroio. 
- Pois então, o Juca era esposo da Catinha Caramujo. Lembra dela?
Cada vez mais impaciente, concordei que lembrava. 
- A Catinha, certa vez teve uma briga no meio da rua com a Márcia Maromba, não sei se você lembra. Uma baixaria. Ficaram as duas peladas no meio da rua...
- Disso não tinha como esquecer – falei, relembrando da cena. 
- Toma vergonha, senão conto pra sua esposa!
- Dona Arisvalda, por favor, volte para a história que é pra ver se termina ainda hoje – falei de forma áspera. 
- Então, homem... A Márcia Maromba era amigada com a sonsa da Soraia Cara de Anjo, filha do pastor Ranulfo Ribeiro. Um pastor da voz bonita que já era bem velhinho. Lembra dele?
Pronto, se falou de alguém bem velhinho, esse já deveria ser o final da história! Ao menos foi o que pensei. 
- Foi ele que morreu? – perguntei já aflito para ouvir o final daquela ladainha interminável de Arisvalda. 
- E morreu foi? Nem sabia. Coitado. Homem da voz bonita...
- Eu não sei se ele morreu – respondi irritado. 
- Então pra que fala? Eu hein. Agourando os outros...
- A senhora vai terminar a história?
- Ah, é. O pastor tinha um filho de sua idade. Como era mesmo o nome dele? Vocês eram muito amigos...
- Era o Jorge Jovial. Bom amigo, que não vejo a tempos...
- Isso! – gritou triunfante, Arisvalda – Foi ele!
Gelei na hora! Meu grande amigo de longa data havia morrido? Precisei sentar e lágrimas vieram aos olhos. 
- Ele morreu? – perguntei, com a voz baixa e fraca. 
- Que morreu, que nada! Que mania de achar que todo mundo está morto! Desconjuro! Eu hein.  
- Então, em nome de tudo que é mais sagrado, o que aconteceu com o meu amigo, Jorge Jovial?
- Encontrei na rua ontem e te mandou lembranças.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Felicitações

A primeira mensagem chegou antes das sete da manhã.  - Felicidades, minha amiga! Que dure para sempre! Como a Almerinda sempre foi meio desc...