quarta-feira, 12 de outubro de 2022

O Pedinte


Carlos Caridoso sempre foi um bom homem. 
Religioso, devotado a família, não gostava de farras, caridoso...
Enfim, um cidadão exemplar. 
Uma manhã de segunda feira, Carlos Caridoso estava se dirigindo ao trabalho quando passou por um pedinte. 
Era um homem de idade avançada, barbas longas, brancas e mal tratadas, roupas rasgadas e um ar de tristeza no rosto. 
- Uma ajuda para um homem sem sorte na vida, meu patrão?
Compadecido, Carlos Caridoso deu algumas moedas ao pobre homem. 
Orgulhoso de ter contribuído, continuou seu caminho. 
Mas, após poucos passos, ouviu o velho homem resmungar:
- Ah, miserável! Só umas moedinhas! Duvido que não pudesse ter dado mais que isso. 
O primeiro impulso de Carlos Caridoso foi de indignação. Afinal, cada um contribui com o que pode. Mas, depois pensou que, na verdade poderia ter dado mais que algumas moedinhas. 
No dia seguinte, tentou se redimir e deu uma nota de dois reais. 
Mais uma vez o pedinte resmungou:
- Melhor que ontem mas, bem que poderia ter dado mais. Nem consigo tomar café com essa merreca. 
Carlos achou muita audácia daquele homem mas, não deixaria jamais que alguém o taxasse como um muquirana. 
No dia seguinte, deu ao velho homem uma nota de cinco reais. 
 E mais uma vez, uma reclamação: 
- Cinco reais? Já dá para tomar café mas, um homem tão bem vestido, podia contribuir com mais. Garanto que na igreja não dá só cinco reais. 
Era realmente muita folga! Mas isso não ia ficar assim!
No dia seguinte, Carlos Caridoso deu ao pedinte cinco reais, um sanduíche e um copo de café. Agora queria ver do que ele iria reclamar!
Lançou um olhar desafiador para o pedinte e, triunfante, saiu a caminhar. 
- Me tapeando com um café mirrado só para poder não dar mais dinheiro. Uma tristeza isso. A pior coisa é depender dos outros...
Aquilo já estava virando questão de honra para Carlos Caridoso. 
Na manhã seguinte, deu dez reais, um sanduíche e um café para o velho. 
- O café até que me garantiu mas, dez reais dá para almoçar? Não podia ter dado logo quinze? Garantia meu almoço e eu não precisaria ficar aqui pedindo a manhã toda. Sujeitinho muquirana, viu?
Chateado, Carlos Caridoso estava decidido a calar aquele pedinte abusado de uma vez por todas. 
No dia seguinte, uma sexta feira, Carlos Caridoso deu ao pedinte dois sanduíches, um copão de café e vinte reais, que era para ele não reclamar da sobremesa. 
Desta vez, o pedinte agradeceu e nada resmungou. 
Na segunda feira seguinte, Carlos Caridoso repetiu a doação e mais uma vez, não ouviu queixas do pedinte. Satisfeito, repetiu a caridade por toda semana, sem reclamações. Pelo menos até a sexta feira. 
Neste dia, o pedinte voltou a resmungar:
- Pois é, sábado e domingo eu não como! Porque pobre só se alimenta meio de semana. Vou te contar, viu? Rico é uma classe miserável. 
Carlos Caridoso, decidido a calar aquele maldito pedinte, saiu de casa sábado e domingo apenas para entregar a caridade ao velho reclamão. 
E assim fez durante todo o mês. 
Quando precisou viajar a negócios por três dias, deixou um vizinho encarregado de fazer as doações e deixar o pedinte ciente de quem o estava fazendo. 
- Adotou um filho mais velho que você? – ironizou o vizinho. 
Mas Carlos Caridoso não se importava mais nem com o comentário e nem com os gastos. O importante era calar aquele velho ranzinza que insistia em difamar sua boa reputação. Não deixaria que ninguém, absolutamente ninguém, duvidasse de sua bondade e disposição para a caridade. 
Um determinado dia, Carlos Caridoso acordou atrasado e esqueceu de pegar a carteira. Quando passou pelo pedinte, este o questionou:
- Não vai deixar nada hoje, patrão?
- Não vai dar – desculpou-se Carlos – esqueci a carteira em casa e não vai dar tempo de voltar. 
O pedinte então, abriu uma velha bolsa e sacou lá de dentro uma máquina de cartão de crédito. 
- Aceito todas as bandeiras...
Surpreso com aquilo, Carlos Caridoso, apenas murmurou:
- Meus cartões ficaram na carteira...
- E o celular? O senhor trouxe o celular?
- Sim, o celular eu trouxe. 
- Faz um pix então. Tenho conta no Bradesco, Itaú e Santander. 
Carlos Caridoso, curioso, abriu o aplicativo para ver como era essa história de pedinte ter três contas em bancos diferentes. 
- Qual é seu pix?
- Pode usar meu CPF. 
CPF cedido, Carlos o digitou e lá apareceu o favorecido: Mario Manhoso Empreendimentos Ltda. 
- Mas o senhor tem uma empresa? 
- Sim, sim – respondeu orgulhoso o pedinte. 
- E além de ficar me pedindo ainda reclama quando dou pouco? O senhor deveria ter vergonha de estar aqui se passando por um mendigo sem dinheiro – esbravejou indignado Carlos.
- E algum dia eu te disse que era mendigo ou que não tinha dinheiro? O mal de vocês ricos é julgar as pessoas pela aparência! O ser humano é uma merda mesmo! – falou ofendido o pedinte, enquanto pedia um Uber através de um celular de última geração que tirou do bolso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Felicitações

A primeira mensagem chegou antes das sete da manhã.  - Felicidades, minha amiga! Que dure para sempre! Como a Almerinda sempre foi meio desc...