quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Os Críticos


Aconteceu que um projeto social, com a melhor das boas intenções, resolveu levar algumas pessoas da comunidade para apreciar uma exposição de arte em um museu. 
Quarenta pessoas podiam se inscrever, porque era o que cabia no ônibus que foi cedido para a locomoção até o dito museu. 
Vinte se inscreveram. 
Destas, duas se tornaram o centro desta história: Salustiano Sabichão e Professor Adamastor. 
O motivo era que, ambos se consideravam as pessoas mais bem instruídas de toda a comunidade quando, na verdade, nenhum dos dois eram nada do que viviam dizendo que eram. 
Salustiano Sabichão tinha o hábito de fuçar na internet tudo que era possível e, por isso, “entendia” de alguns assuntos, o que deixava a todos impressionados e lhe dava esta fama de pessoa culta. 
Já o Professor Adamastor, não só nunca tinha exercido o magistério como, o pouco que “sabia” era criado por sua própria mente em deduções mirabolantes e, temos que admitir, criativas. 
E, por se considerarem as duas pessoas mais cultas da comunidade, como não poderia deixar de ser, uma rivalidade se criou entre eles. 
Já no museu, Fátima Formosa, que com sua singela e delicada beleza era, mesmo sem querer ser, um outro motivo de rixa entre os dois “intelectuais”, cometeu o desatino de perguntar, enquanto vislumbrava um pequeno quadro, “o que significava aquela tela”. 
Professor Adamastor, com a clara intenção de impressionar a moça com seus conhecimentos, resolveu explicar:
- Claramente nesta obra o artista tenta retratar, de forma simbólica, o vazio que carrega em sua alma...
- Disparate – interrompeu Salustiano Sabichão, usando uma das palavras retiradas da internet que mais gostava – sua interpretação está completamente equivocada! Esta tela, na verdade, reflete a solidão em que o artista se encontrava no momento em que a concebeu. Me arrisco a dizer que, tem a ver com o isolamento em que todos nos encontramos devido ao distanciamento sentimental em que a humanidade se encontra. 
Assim falando, colocou as mãos na cintura e estufou o peito, orgulhoso das próprias palavras, feliz por ter superado o rival e, na certeza de ter impressionado Fátima Formosa, que não tinha entendido nada. 
- A única solidão que vejo aqui – respondeu Professor Adamastor – é a do seu único neurônio vagando nesta cabeça oca de ideias. É óbvio que esta sua interpretação está equivocada! O artista não demonstra solidão e sim, tristeza. E, é óbvio para quem realmente entende de arte, que a obra expressa a desolação interna que o artista possui. 
Olhou com desdém para o rival e, ajeitou a gravata. 
- Data Vênia, meu caro Professor. O senhor me surpreende quando, tanto se diz uma pessoa culta e não consegue interpretar algo que está tão na cara e caminhando nos ladrilhos do óbvio!
- A única coisa óbvia que vejo aqui é sua completa cegueira cultural e intelectual, meu caro Sabichão. 
- Se você tivesse um mínimo conhecimento da obra do famoso pintor francês, Alain Prost, teria uma melhor noção do que estou falando e não passaria tanta vergonha na frente de tão formosa moça. 
- Alain Prost foi um pintor medíocre. Sou mais a linha de do famoso inglês Luke Skywalker. Este sim entendia de artes. Aliás, ao citar Alain Prost o senhor que se faz envergonhar perante tão delicada senhora. 
Fátima Formosa, apesar de lisonjeada com os elogios, já estava entediada com aquela discussão onde, ela não entendia quase nada. 
Além de que, ela tinha a vaga impressão que Alain Prost era um piloto de Fórmula Um e esse tal de Skywalker, tinha visto em um filme de Guerra nas Estrelas. 
Portanto, quando Julião Gigante lhe mandou uma mensagem perguntando se ela não queria conhecer a cantina do museu, com ele pagando o hambúrguer e a Coca, a moça não pensou duas vezes. 
Melhor ouvir Julião falando do Corinthians, que ficar no meio daquele papo pra lá de chato. 
Os “intelectuais” estavam tão distraídos trocando ofensas, com palavras difíceis e cultas, retiradas de livros e da internet, que nem notaram a moça se afastando. O que acabou sendo melhor para ambos. 
Porque, no auge da discussão onde, as progenitoras de Salustiano e do Professor Adamastor já haviam sido incluídas, eis que surge um jovem bem alinhado e os interrompe. 
- Desculpem senhores mas, preciso retirar esta tela daqui. 
Quando questionado pelas duas “grandes mentes”, explicou que era pintor e aquele espaço estava reservado para sua obra.
- Já que o senhor é o autor desta preciosidade, pode esclarecer a este Professor de meia pataca que sua obra reflete a solidão que, obviamente o artista estava sentindo, no momento em que a pintava?
- Não leve em consideração a ignorância deste medíocre Sabichão e esclareça que, sua obra reflete o vazio poético na alma do artista, o que está óbvio só de olhar. 
- Na verdade – respondeu meio constrangido, o rapaz – esta obra não quer dizer nada. 
- Como assim? – perguntaram os dois ao mesmo tempo, provavelmente na única vez na vida em que concordaram com algo. 
- É que a tela está em branco porque ainda não comecei a pintar. Mas, voltem semana que vem que a gente discute sobre ela quando estiver pronta – falou com um sorriso, o pintor, que deveria entender de verdade sobre o que estava falando.

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