quinta-feira, 6 de outubro de 2022

A Motoserra


Esta é mais uma que juro que aconteceu, mesmo sem ter certeza de realmente ter acontecido.
Ocorre que Manezinho se casou com dona Amarilda e, desta união, nasceu Tonzinho. Era uma bela família, amiga de todos e de muita educação, distinção e simpatia.
Mas, apesar de todas estas qualidades, eles eram muito reservados. 
E quando eu digo muito, não é muito de muitinho, é muito de muitão.
E, o maior exemplo desta condição de reservados, era o fato deles nunca aceitarem dormir na casa de alguma outra pessoa e, em contrapartida, também não aceitarem que qualquer outro ser vivente dormisse em sua casa. Em resumo, ninguém nunca havia visto aquela família indo dormir ou acordando. E isto gerou uma série de boatos sobre eles três.
Uns diziam que, à noite, eles praticavam rituais de bruxaria, outros juravam que eles faziam orgias com prostitutas vindas de outra cidade, envolvendo inclusive a pobre criança e, alguns tinham certeza que Manezinho era, na verdade um lobisomem, Amarilda era uma bruxa e Tonzinho, como cria de tão macabro casal, só poderia ter sido oferecido a algum tipo de demônio em um ritual envolvendo sangue de virgens.
Este mistério sobreviveu por anos e, por mais que todos tentassem, ninguém jamais havia conhecido a intimidade noturna daquela família.
Até que, determinado dia, eles receberam a visita matutina de dona Fulô, conhecida fofoqueira da cidade e, desta forma, todo o mistério foi finalmente esclarecido.
Ocorreu que caiu uma chuva que surpreenderia até Noé com sua arca e, a ponte que ligava a fazendinha onde se localizava a residência da família e qualquer outro lugar do mundo, caiu. Todas as estradas alagaram e, para descontentamento de Manezinho, Fulô dormiu lá por três dias.
“ Na primeira noite – conta a fofoqueira – tudo corria bem até que, quando o relógio badalou a meia-noite, comecei a ouvir barulhos assustadores e horripilantes! O que? Fantasmas? Não seja idiota, que fantasmas não existem! Parecia mais o som de uma motosserra, vinda do quarto do casal. Tremi de pavor e não preguei o olho a noite inteira. Pensava ‘valha-me Deus, eles estão arrancando a cabeça de alguém”!
“Pela manhã, ninguém da família fez nenhum comentário e, quando perguntei se tinham ouvido algo, todos falaram que não.
Noite seguinte, no mesmo horário, o ruído de motosserra voltou a se fazer ouvir. Só que, desta vez parecia um pouco mais abafado. A diferença foi que ouvi claramente a voz de Amarilda a gritar:
- Você está louco, homem? Quer me matar?
Apurei os ouvidos mas, não consegui ouvir mais nada. Fiquei em pânico achando que ele talvez tivesse finalmente tenha dado um fim na pobre esposa. Porém, não consegui mais pensar no assunto pois, cinco minutos depois, o som da motosserra voltou. Tive muito medo de ser a próxima e tratei de fazer uma barricada na porta. Mais uma vez, não dormi.
Pela manhã, para minha surpresa, o casal se encontrava bem e tranquilo na mesa do café da manhã, juntamente com a criança, como se nada tivesse acontecido.
Na terceira noite, levei escondido para o quarto, alho, uma cruz que sempre carrego comigo, uma estaca improvisada e uma faca de cozinha. Se eles tentassem me matar, eu venderia caro minha vida.
Pontualmente a meia-noite, o barulho de motosserra começou. Mesmo morrendo de medo, resolvi tomar a frente e acabar logo com tudo aquilo antes que meu corpo desaparecesse misteriosamente e nunca mais fosse encontrado. Caminhei sem fazer barulho e, quando cheguei a porta do quarto deles, respirei fundo e meti o pé, arrombando-a.
Saltei para dentro com a cruz, o alho e a faca gritando: “desconjuro crias do demônio”!
Foi aí que o mistério se desfez: o barulho da motosserra era Amarilda em sono alto, roncando, e o abafamento era Manezinho com o travesseiro tentando fazer com que eu não ouvisse.
Meio sem graça, ele só conseguiu me falar:
- É que ela ronca um pouquinho alto e eu não queria que incomodasse a senhora.

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