Esta eu juro que nunca aconteceu, mas vou contar assim mesmo.
Se vocês não gostarem de histórias inventadas, sugiro que leiam no dia Primeiro de Abril que, como todos sabem, é o dia nacional da politicagem e, nesta ocasião toda não verdade, é válida.
Em outra Crônica falei da cidade que só não é a maior capital do mundo porque é tímida e modesta: a megalópole Lagarto.
Apolônio é um dos felizes cidadãos desta cidade, apaixonado por futebol e torcedor do ilustre Lagartense que, segundo dizem, nunca jogou contra o Barcelona e o Real Madrid porque, a modéstia característica da cidade, não lhe permitia golear implacavelmente estas equipes menores.
Consta que, mesmo em toda sua modéstia, o Lagartense aceitou que colocassem um dos seus jogos na loteria esportiva daquela semana.
Apolônio, como todo bom torcedor, fez sua “fezinha” e acompanhou toda a rodada onde, doze dos treze jogos foram antecipados para o sábado por causa de um jogo da Seleção Brasileira que ocorreria no domingo. Mas, claro, óbvio e elementar que, em sua grandeza, o Lagartense não aceitaria causar este incômodo em sua imensa torcida e antecipar seu jogo.
Porque em Lagarto, palavra dada é palavra sagrada: se marcou domingo, vai ser domingo e pronto!
Ocorreu que, Apolônio acertou o resultado de todos os jogos do sábado e, para tirar o prêmio máximo, bastava apenas um empate de seu querido Lagartense contra o time do Sergipe.
Apolônio, de olho no dinheiro que poderia vir a ganhar, se dirigiu à igreja da cidade, ajoelhou e começou a prometer:
- Querido Deus, prometo em nome da padroeira de Lagarto, Nossa Senhora da Piedade, que vou doar cinquenta por cento do que ganhar para a caridade.
Depois, pensou melhor e se corrigiu:
- Cinquenta por cento é muito, né Deus? Afinal eu também ando precisando de caridade. Trinta por cento está bom.
Benzeu-se, levantou, coçou a cabeça e se ajoelhou de novo.
- Vamos combinar assim: se o prêmio for alto, vou doar trinta por cento mas, se baixo faço uma doação só de dez por cento. Combinado?
Assim feito, contou as horas para o começo do jogo e, quando ele começou, estava colado com o ouvido no radinho de pilha, atento ao narrador, que assim narrava:
“Apiiiiita o árbitro e começa o jogo! Saída de bola com o Sergipe, Armandinho toca para Pituca, Pituca avança pelo meio, toca para Marcelinho, que chuta e...”
- E o que, seu demônio? – gritava desesperado Apolônio.
- E é gooooooooooooool – respondeu o narrador – Gooooool do Sergipe!
- Ah, time miserável esse Lagartense! Valei-me Nossa Senhora da Piedade! Vai deixar a caridade perder trinta por cento desse dinheiro?
Como que em resposta, o narrador assim voltou a narrar:
“ Saída de bola do Lagartense, Tonho toca para Mandioca, Mandioca cruza para Cara de Lua e...
- E é gol? – pergunta ansioso Apolônio.
- E cabeceia para fora! – esbraveja o narrador.
Os minutos foram passando e assim terminou o primeiro tempo, assim começou o segundo tempo e nada do Lagartense empatar o jogo.
Faltavam cinco minutos para terminar a partida e, Apolônio já havia arrancado as unhas, os cabelos e o couro do velho sofá.
Foi então que o narrador gritou:
- Pênaaaaaaaalti para o Lagartense!
Apolônio, que já estava auferindo a pressão de tanto nervosismo, deu um grito que fez com que a esposa invadisse o quarto, achando que alguém estava morrendo.
Mas Apolônio nem ouviu os xingamentos da mulher: toda sua atenção estava em Pitoco, o atacante que cobraria a penalidade.
- Preparou – falava emocionado o narrador – correu, bateu eeeeeee...
O coração de Apolônio parou, o relógio parou e, se duvidar, até o tempo parou naquele momento.
- É gooooooooooool – berrou o narrador.
Apolônio então enlouqueceu! Abraçou a mulher, beijou o cachorro, deu cerveja ao gato e tomou uma tapa por ter beijado a mulher do vizinho.
- Abusado! Meu marido vai saber disso.
Mas, a alegria de Apolônio durou pouco pois, enquanto ainda comemorava o narrador, agourento que só ele, anunciou:
- Goooooooool do Lagartense! Virou o jogo Pitoco, o matador! Agora faltando um minuto para acabar o jogo e está dois a um para o Lagartense!
- Não, time desgraçado! Para que fazer outro gol?
Ajoelhou e começou a rezar de novo:
- Nossa Senhora da Piedade, sei que isso é castigo por eu ter sido tão canguinha mas, eu estou voltando atrás da promessa e aceito doar cinquenta por cento do que ganhar para a caridade, caso o Sergipe ainda empate esse jogo.
Foi Apolônio dizer amém e, o milagre aconteceu:
- Falhou o zagueiro do Lagartense, Josias chuta de fora da área e... É goooooooool do Sergipe!
- Vaaaaaai – gritou alucinado Apolônio – Gol do Sergipe! Golaço! Eô, eô, eô,eô, Sergipeeee, Sergipeeee.
Ao final do jogo, empate concretizado, Apolônio agradeceu a todos os santos que podem já ter habitado o céu e, logo depois, tomou um porre daqueles (fiado, para pagar com o prêmio da loteria), para comemorar.
No dia seguinte, nem deu bola para a ressaca e, logo cedo foi para a loteria onde, o funcionário conferiu seu bilhete e confirmou seus acertos.
- Parabéns! Agora é só esperar dar meio-dia para a gente saber o valor que o senhor faturou.
Apolônio aguardou na porta da lotérica até que esse bendito valor fosse informado e, meio-dia em ponto, voltou ao balcão.
O funcionário, meio desconcertado, então informou:
- Senhor, essa semana tivemos 5.637.010 pessoas acertando os resultados dos treze jogos e, por isso, o valor foi menor que o normal.
- Sim, meu filho, mas me diga quanto eu ganhei antes que eu precise gastar toda minha fortuna com um tratamento cardíaco!
Um outro funcionário, em tom de riso, então esclareceu:
- Deu um real e cinquenta centavos para cada ganhador.
Depois que saiu do hospital, onde deu entrada com sintomas de colapso nervoso, Apolônio foi internado em um manicômio após ser pego dentro da igreja, xingando e ameaçando Nossa Senhora da Piedade, padroeira de Lagarto.
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