quinta-feira, 6 de outubro de 2022

A Vacina


Jeca passou toda a sua vida embrenhado nas roças da cidadezinha onde vivia. Era hora na labuta com as plantações, hora metido nas matas a caçar, hora na beira do riacho pescando.
Raramente Jeca era visto andando pela cidade.
Na verdade, este não era seu nome verdadeiro. Devido ao seu estilo de vida e à forma como se vestia, as pessoas começaram a associar sua imagem à do famoso personagem chamado Jeca Tatu e, como as pessoas em nosso país adoram diminuir para simplificar, tiraram o Tatu e ficou só o Jeca.
O nome verdadeiro? É capaz de nem mesmo ele lembrar qual era.
Mas, o tempo passa para todos e nosso simpático matuto começou a sentir a saúde fraquejar. Os chás e ervas que antes curavam tudo, agora já não se mostravam tão eficazes. Jeca começou a ser visto, roxo de vergonha, em farmácias e até óculos já usava.
Depois de muita insistência de seu Adolfo, conhecido e respeitado farmacêutico da cidade, Jeca resolveu procurar um médico.
Pegou a calça social emprestada por seu Adolfo, um terno que iam usar semanas depois na queima de Judas da cidade, e um sapato “bico fino” que conseguiu trocar por três quilos de peixe pescado por ele mesmo.
Olhou-se no espelho, analisou, refletiu e, apesar de se sentir ridículo naquelas vestes, foi assim mesmo rumo ao posto de saúde.
O atendimento transcorreu sem nenhum evento digno de nota até o momento em que o médico perguntou sobre sua caderneta de vacinação.
- Tenho não, senhor.
Levaram então o pobre e assustado Jeca para uma salinha onde seria devidamente vacinado.
O matuto acostumado a encarar cobra e jaguatirica pelas matas, que não tinha nenhum temor em nadar em rio de jacaré, que achava não ter medo de nada, de repente se viu apavorado quando viu a criatura preparar a seringa da injeção.
- O que é isso aí que a senhora está fazendo?
- Preparando sua vacina.
- Isso é para enfiar em meu couro? Mas nem se o chupa cabra virar Nossa Senhora! Nem Jesus descendo do céu e dizendo “Jeca, você tem que tomar essa vacina! Já matei bicho com faca menor que essa agulha aí! Pois não vai ter um cabra que me force a deixar esse troço lazarento e pontudo entrar em meu bucho!
Pacientemente a enfermeira explicou todos os benefícios que aquilo lhe traria e todas as doenças que a falta da vacina poderia trazer para seu corpo.
- Pois deixa as “doença” chegar que eu dou fim nelas com um chá e duas doses de pinga.
Depois de muita insistência e briga, o matuto finalmente deu o braço a torcer e deixou que aplicassem a bendita vacina.
- Me dá um pedaço de pau pra eu morder!
- Deixa de espanto, homem! Isso nem dói tanto assim. Que frouxidão.
Pronto, chamou o matuto de frouxo, mexeu com o orgulho do homem.
- Frouxo eu? Pois vou te mostrar que sou macho com eme maiúsculo! Enfia essa peste dessa agulha aqui no braço que você vai ver que nem pisco!
Mas falar era mais fácil que fazer. Toda vez que a enfermeira ia encostar a agulha, Jeca puxava o braço.
“ Pera, pera, pera...”
“ Tem certeza que esse troço não dói igual facada? ”
“ Valei-me, minha Nossa Senhora das Dores! ”
“ Se eu morrer hoje, alguém solta meus passarinhos! ”
“ Tenho que ir em casa tirar a panela de feijão que deixei na fogueira? Eu juro que volto... “
“ Não pode me dar algum remédio para dormir e, quando eu acordar já terem terminado de fazer essa judiação em mim? “
“ Deixa eu tomar uma caninha antes, para aguentar a dor! “
- Não vai ser preciso – falou em tom de riso a enfermeira.
- Porque não?
- Porque na hora em que o senhor estava pedindo proteção a Nossa Senhora das Dores, eu já tinha aplicado a vacina.
- E foi? Mas eu nem senti...
Se o matuto já estava envergonhado com aquela situação, piorou quando olhou para o lado e viu um menino de cinco anos segurando um pedaço de algodão no braço, após ter sido vacinado, que lhe disse:
- Minha mãe disse que homem de verdade não chora por causa de vacina, por isso eu nem chorei...

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