Sabe aquelas coisas que a gente acha que são muito importantes na época e depois descobrimos que, na verdade, não tem importância nenhuma?
Osmar, no início da pandemia do corona vírus, entrou na onda de estocar papel higiênico. Como disseram que iria faltar o produto na praça, ele tratou de pegar o dinheiro da quinzena e correu para o supermercado a fim de garantir seus preciosos rolos de tão essencial item.
Comprou sete pacotes com doze rolos cada. Oitenta e quatro rolos de papel.
“Isso deve dar para passar uns três meses, eu, a Geralda e o Rafinha”.
Mas, na dúvida, pegou mais seis para fechar noventa.
Saiu do supermercado satisfeito e com a tranquilidade de quem não iria passar aperto quando o produto faltasse de vez nas prateleiras.
Aconteceu porém que, Geralda sua doce e inocente esposa, achando que estavam em uma fartura daquele produto, resolveu doar três rolos para cada membro da família.
“Nessa escassez de papel – pensou – não posso deixar minha mãezinha e todas as outras pessoas que não podem fazer estoque sem ter com o que se limpar.
Quando Osmar descobriu o que a esposa tinha feito, ficou furioso.
Brigou com Geralda e até ameaçou pedir divórcio.
A mulher se sentiu ofendida e reclamou chorosa:
- Querendo dar fim em vinte e cinco anos de casamento por causa de um papel limpa- bunda.
- Um não! Sessenta! Você doou sessenta rolos.
Ficaram uma semana sem se falar mas, com o passar do tempo, Osmar percebeu que realmente não era um motivo justo para uma briga.
Voltou ao mercado e comprou mais sessenta e dois pacotes de papel higiênico.
Sessenta ele repôs o estoque e dois ele fez um lindo embrulho para presente e, com direito a um jantar à luz de velas, preparado por ele mesmo, entregou o mimo a esposa.
Geralda toda feliz com o súbito romantismo do marido decidiu perdoa-lo, mas não deixou de demonstrar uma certa decepção quando abriu o presente.
- Não gostou? – perguntou preocupado Osmar – Comprei o produto mais raro que existe hoje em dia. Mais fácil achar uma pérola do que um rolo de papel higiênico. Tive que ameaçar dar porrada em um cara para conseguir trazer estes dois rolos.
Comovida com o esforço do marido, Geralda decidiu fazer as pazes, mas não sem ficar preocupada com a obsessão do marido. Coisa que só fez piorar.
Toda vez que Osmar ia na rua, voltava com um rolo de papel higiênico.
Marceneiro que era, construiu um armário apenas para guardar o dito papel.
Mas a gota d’água foi o dia em que Osmar decidiu que não compraria mais cerveja para poupar o dinheiro do papel higiênico.
Geralda ligou desesperada para Oscar, irmão de Osmar, e este acionou toda a família para pagarem um tratamento psicológico para o pobre homem.
Ele se recusou, disse que era exagero e besteira da esposa e só deu o braço a torcer que precisava de tratamento quando começou a ter pesadelos onde estava no sanitário, não existia mais papel higiênico no mundo e tudo que lhe restava era uma folha de urtiga.
Acordou aos gritos:
“ Não! Urtiga não!
No dia seguinte foi internado em uma clínica de recuperação.
Assim que chegou, pediu para ir ao banheiro ver se tinha papel.
O diretor da clínica o fez ter um estoque limitado de papel, apenas para que não tivesse uma crise de abstinência.
O tempo passou e a situação de Osmar melhorou.
Quando alguém o perguntava como estava em relação ao vício de papel higiênico, ele alegremente respondia:
- Estou limpo.
Dois meses depois, Osmar foi liberado para voltar para casa totalmente recuperado.
Para não ter uma recaída, parou de usar o dito cujo do papel, que nem gostava mais de pronunciar o nome e passou a usar folhas em seu lugar.
- Estou protegendo minha mente e a natureza. Você sabe quantas árvores precisam derrubar para fazer um rolo desta porcaria? – perguntava a todos que olhavam espantados para suas folhas no banheiro, apesar dele mesmo não saber a resposta desta pergunta.
Passou a cultivar no quintal de casa pequenas plantas para reutilizar as folhas e se tornou um ferrenho defensor das causas naturais.
- Já fiz um filho e plantei várias arvorezinhas – filosofava – Em breve escreverei um livro contando minha experiência de me livrar deste vício maldito.
Mas a felicidade de Geralda não durou muito: com a alta do preço do arroz, ela teme que o marido se jogue em um novo vício.
Ontem mesmo, remexendo nas coisas dele, ela encontrou um livro intitulado “receitas com sobras de arroz”, guardado dentro de um velho baú, depositado encima de um fardo com dez quilos de arroz branco tipo agulhinha.
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