quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Cunhado Capeta


Essa aconteceu naquela época onde ainda chamávamos a namorada para o cinema e o pai, desconfiado, mandava o irmão mais novo para vigiar.
Na ocasião, eu paquerava a Gumercinda, menina formosa e bonita, daquelas que a música fala que “faz o homem gemer sem sentir dor”.
O problema é que uma outra música se aplicava ao irmão dela, o Zequinha, de dez anos:
“Conheci um capeta em forma de guri”.
Tenho certeza que aquilo era um anão fingindo ser criança, tamanha era a malicia daquela criatura.
Era um domingo e, como disse no início, convidei a Gumercinda para uma sessão de cinema e ela, com o consentimento do pai, aceitou.
Cheguei no horário marcado, cheio de segundas intenções para um cinema que, se tudo desse certo, se transformaria em um começo de namoro.
Quando bati na porta, encontrei minha linda pretendente toda arrumada, com seu jeito encabulado, linda que só e, logo atrás dela, também todo arrumado, o peste do Zequinha.
- Papai disse que só posso ir se levar meu irmãozinho, como sei que você não se importa, achei que nem precisava te dizer.
Guardei minha decepção no bolso e saí com Gumercinda e Zequinha.
Peguei na mão dela e, o pestinha foi logo falando:
- Meu pai disse que era para eu olhar se você vai ficar pegando em minha irmã. Se não soltar a mão dela, eu conto a ele.
- E o que tem demais eu pegar na mão de sua irmã?
- Não tem nada. Mas eu posso dizer que vi mais coisa do que eu vi. Sou tão ruim de memória!
Para bom entendedor, meio suborno basta. Pedi a Gumercinda que fosse escolher que filme ela queria assistir, e a sós com ele, fui direto:
- Vamos lá seu explorador mirim, o que você quer para me deixar em paz com sua irmã?
-Eeeeuuuu? – respondeu com a cara mais cínica – Quero nada não. Mas um cachorro quente com refrigerante cairia tão bem...
Paguei o maldito cachorro quente com refrigerante e, sinceramente, achei até um preço barato para ter paz naquela tarde, com minha namorada.
Gumercinda voltou e fomos, eu e ela de mãos dadas e, Zequinha atolado no cachorro quente, comprar os ingressos para o filme que ela tinha escolhido.
Entramos no cinema, ela sentou e, quando fui sentar ao seu lado, o peste sentou primeiro. Passei para a outra cadeira ao lado dela e ele, levantando da que estava, passou em minha frente e sentou.
- Meu pai disse que não era para deixar vocês se sentarem juntos porque você poderia querer tomar intimidades – falou, olhando para mim e piscando o olho.
Mais uma vez, entendi o recado.
- Zequinha, meu cunhadinho do coração, você não quer uma pipoca?
-Quero!
-Quer ir lá comprar?
- Não posso. Papai disse que não era para eu sair de perto de Gumercinda. Mas eu iria ficar tão feliz se o senhor fosse comprar. Eu mudava até de lugar – falou sussurrando.
Saí então para comprar a pipoca do maldito guri e, quando voltei, consegui sentar ao lado de minha querida futura namorada.
Começou o filme e, aproveitando o escurinho do cinema, tentei roubar um beijinho dela.
- Tio, essa pipoca me deu uma sede. Compra água pra mim?
- Não dá para você esperar o filme acabar – respondi com um sorriso de ranger os dentes e me segurar para não esganar aquele moleque.
- Dá não, tio. Só vou conseguir prestar atenção no filme se beber água.
E lá foi eu de novo para o lado de fora da sala, comprar água para o pestinha.
Quando voltei, admito que o chantagista mirim cumpriu com sua promessa e me deixou em paz pelo resto da sessão. O problema foi que Gumercinda, nesse meio tempo, acabou se empolgando com o filme e, não consegui sequer um único beijo da parte dela que, a todo momento reclamava:
- Para Anacleto, deixa eu ver o filme!
Juro que, quando olhei para Zequinha, percebi que ele estava sorrindo para mim de forma irônica e até maquiavélica.
Mas, como água mole em pedra dura tanto bate até que fura, já no final da sessão ela, emocionada com o romantismo na telona, resolveu me dar um beijo daqueles de cinema. Quando eu estava encostando nos lábios dela, ouvi aquela voz que estava apendendo a odiar:
- Tiooooo , preciso ir ao banheiro. Estou muito apertado por causa da água que você comprou.
- Espera que o filme já está acabando – falei já furioso.
- Não dá!
- Deixa que eu levo – falou Gumercinda, compadecida da situação da criança ou temerosa de eu afoga-lo na pia, não sei bem.
Quando voltaram o filme tinha acabado e, ela recusou meu convite para uma “esticadinha” até uma pizzaria porque o capeta do Zequinha estava com o estômago doendo e queria ir para casa. Chegamos na residência dela e finalmente, por razões fisiológicas, ele nos deixou em paz. 
Só aí consegui dar o tão esperado beijo em Gumercinda.
Quando entramos o pai que, estava sentado na sala assistindo tv, ignorando minha presença, perguntou ao filho que voltava do banheiro:
- Zequinha, eles se comportaram direito?
- Sim, papai – falou, para meu alívio – lá no cinema ele foi bom comigo e respeitoso com Gumercinda.
- Que bom – comentou satisfeito o velho.
- Mas aqui na varanda ele agarrou ela e ficou querendo fazer safadezas.
E, olhando para mim sussurrou:
- Quem mandou não me levar no banheiro?

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