quinta-feira, 6 de outubro de 2022

O Abadá


Se ainda tem alguém que não sabe, abadás são aquelas camisas caríssimas que todo mundo compra para “sair” nos blocos de Carnaval na Bahia.
Eu entendo tanto de Carnaval quanto o Carlos Drummond de Andrade entenderia de letras de funk carioca e, por isso, me assustei quando resolvi comprar um par de abadás para agradar a Terezinha, minha namorada.
A bichinha vivia me dizendo o quanto queria passar um Carnaval em um desses blocos e eu, apesar de odiar esta festa, resolvi fazer essa “graça” para ela e saí a caça do tal abadá do Chiclete com Banana.
O problema é que estou longe de ser rico nesta ou na próxima encarnação e, quando descobri o preço daquele mísero pedaço de pano, tive um pico de hipertensão. O vendedor, muito atencioso, me explicou longamente todas as vantagens que vinham no pacote daquela camisa amaldiçoada mas, eu saí da loja deixando para ele a promessa de voltar para efetuar a compra e, comigo mesmo, o juramento de jamais pagar aquela fortuna que ele havia cobrado.
Na saída do shopping, um cidadão bem vestido para um baile de Dia das Bruxas, se aproximou de mim e falou que tinha notado que eu estava interessado no abadá do “Chicrete” e que, por coincidência, ele tinha dois para vender pois, logo após a compra, soube que sua vozinha havia falecido.
- Sabe como é – falou com os olhos cheios de lágrimas – família é tudo e, não tenho mais clima para cair na folia.
Eu recusei pois ainda estava assustado com o preço e minha pressão permanecia alta, mas ele me disse que tinha simpatizado com minha pessoa, sabia que eu queria muito aqueles abadás e por isso, faria pela metade do preço da loja.
Devo ter feito uma cara de espanto e desconfiança bem explicita porque, ele passou a me explicar que todo ano saia naquele bloco e, por isso, comprava sempre vários meses antes com desconto.
- Eu não saio perdendo porque recupero o que gastei e você sai ganhando porque compra bem mais barato. Bom para nós dois.
Minha pressão começou até a voltar ao normal com essa possibilidade.
Depois de pensar por alguns instantes e imaginar a alegria de Terezinha, aceitei e fechei o negócio.
Paguei, recebi os abadás e, como garantia, peguei o número do telefone do cidadão para o caso de surgir algum problema.
Ainda faltavam uns dois meses para o Carnaval e resolvi que não iria dar as boas novas para Terezinha naquele mesmo dia. Esperaria faltar uma semana para a folia porque assim seria mais legal de dar a notícia.
Acontece que, por uma dessas muitas voltas que a vida dá, eu e Terezinha terminamos o namoro e, além de ficar sem a namorada, fiquei com dois abadás sem nenhuma utilidade porque, com ela eu iria sem gostar e sem ela eu nem iria para essa festa dos demônios.
Fiz então o mais lógico a se fazer numa situação dessas: liguei para o cidadão que me vendeu para saber se ele conhecia alguém que tivesse interesse em comprar aquelas duas camisas, pelo mesmo preço que comprei.
Porém, a pessoa que atendeu jurou que não era, não conhecia e jamais tinha ouvido falar nem de mim, nem de quem me deu o número ou de qualquer venda de abadá, mas que até tinha interesse na compra pois, quando foi adquirir o dele e o da esposa, já tinham acabado.
Marcamos então em uma estação de metrô e, pontualmente, lá estava no horário e local combinado para efetuar a venda e me livrar daquele prejuízo.
Quase terminou em briga.
O cara ficou possesso, me acusou de ladroagem e até chamou a polícia.
Contei esta mesma história ao delegado pois, estava sendo acusado de uso de má fé ao tentar vender um abadá de dois anos atrás como se fosse o que seria usado naquele mesmo ano.
Agora estou aqui sentado na delegacia, esperando meu advogado chegar e pensando como pude ser tão burro de nem ter aberto o pacote para ler no próprio abadá, o ano da festa.
Se eu não der notícias nos próximos dias, é porque estou preso pois, a cara que o delegado está me olhando não é a de quem quer ser meu amigo.

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