Essa aconteceu de verdade, durante um dos sensos que são feitos de dez em dez anos em nosso país.
Vou ocultar o nome da pessoa envolvida, por motivos que vocês saberão identificar ao longo da narrativa.
O entrevistador, na falta de outra denominação melhor, bateu à porta de uma senhora idosa, que aqui chamaremos de Dona Acacilandia.
Dona Acacilandia, por motivos aparentemente óbvios, não só odeia seu nome como, o abomina, tem horror a ele, o despreza, o amaldiçoa e briga seriamente com qualquer ser humano que a chame assim.
Por este motivo, todos sempre evitaram chama-la por esse nome, para não perder a agradável amizade de Dona Acacilandia, para não arriscar fazer a pobre velhinha sofrer um enfarte (ou infarto, nunca soube a diferença mesmo, nem eu e nem ela), ouvir uma coleção de palavrões que não tem mais fim e, não tomar um banho de água suja ou receber na testa qualquer coisa que ela tenha ao alcance das mãos.
Com o passar do tempo, as pessoas simplesmente esqueceram o verdadeiro nome daquela senhora e, passaram a trata-la simplesmente como Dona Garotinha.
Porque Garotinha? Bom, aí vocês teriam que perguntar a Dona Fulô, a fofoqueira das outras Crônicas porque, só ela com seu faro incrível para as coisas da vida alheia, poderia vir a ter esta resposta.
Eu, humilde contador da história, nunca me atrevi a perguntar.
Ocorreu que Cardoso, um simpático rapaz da comunidade, após um tempo desempregado, conseguiu uma vaga para trabalhar como “sensiador” ou entrevistador, ou sei lá como diabos se chama o profissional que faz este serviço.
Muito feliz com a nova oportunidade na vida, Cardoso fazia seu serviço com alegria e paciência.
Certo dia, ele foi parar na porta de Dona Garotinha para “sensiar” (ou entrevistar) a velha senhora que, naquele momento era a única pessoa que se encontrava na residência.
- Bom dia, Dona Garotinha – falou alegremente Cardoso.
- Bom dia – respondeu meio desconfiada a velha senhora (na verdade, me pergunto se existem jovens senhoras ou se escrevo certo quando assim escrevo... mas isso é questão para outro dia).
- Estou aqui a serviço do IBGE para fazer o cadastramento de sua residência. Posso entrar?
- Se for mexer em minha Bolsa Família, fique aí fora mesmo, senão solto o cachorro.
Pacientemente, Cardoso explicou tintim por tintim do que se tratava e, após este processo, começou a entrevista.
- Quantas pessoas moram na casa?
- Quatro e meio.
- Como assim quatro e meio?
- Eu, o Antenor, a Claudinha, a Regilda e o Pipoca, que só conta como meio porque só tem um ano.
- Pode me dar o nome completo de todos?
- Antenor Soares Machado, Regilda Soares Machado, Pipoca Soares Machado e Garotinha Soares Machado.
- A senhora pode me dizer o nome verdadeiro da Pipoca?
- É o Pipoca. Meu neto é homem. O nome dele é Marconde.
- Ok, anotado. E o nome verdadeiro da senhora?
- Garotinha Soares Machado.
- Falo do nome verdadeiro. Aquele que tem na certidão.
- Eu queimei a certidão e joguei a identidade fora.
- Mas porque a senhora fez isso?
- Porque lá meu nome estava errado.
Cheio de paciência, Cardoso tentou contornar a situação.
- E qual era esse nome errado que tinha lá?
- Se fosse para dizer, eu não tinha queimado a certidão.
- Mas senhora, eu não posso escrever aqui que seu nome é Garotinha.
- Porque não?
- Porque seu nome não é Garotinha!
- E qual é meu nome?
- Não sei – respondeu o rapaz já um pouco impaciente – isso é o que preciso que a senhora me diga.
- Então não seja burro! Se você não sabe e precisa que eu te diga, tem que escrever o que eu estou te dizendo, e o que estou te dizendo é que a p* do meu nome é Garotinha!
- Mas senhora...
- Meu rapaz, me responda agora uma pergunta.
- Pode perguntar.
- Você recebe salário para estar aqui em minha porta agora?
- Sim, eu recebo um salário.
- Pois eu não – falou, batendo o portão, deixando Cardoso sem fala, ação ou reação.
O rapaz parou, pensou, ponderou e decidiu.
Anotou em sua prancheta “casa vazia” e largou o problema para o próximo entrevistador.
Rapaz tão jovem e tão sábio.
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